A revelação de Lucas

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Depois do "café da manhã" na barraca de pastel na praça, Lucas e o senhor Olavo deram um passeio pelo local, onde conversavam.

— Lucas você conhece a Ordem Demolay? — perguntou a ele enquanto caminhavam debaixo das grandes copas das árvores.

Lucas não se lembrara de ter ouvido esse nome alguma vez na sua vida.

— Pra ser sincero não, por quê?

— É uma organização para jovens para se interagir com outros membros a fim de discutirem e promoverem ações sociais na sociedade, ou seja, é um bom caminho para querer ser alguém importante e útil para o bem social do nosso mundo.

Lucas escutava e olhava para ele com muita atenção.

— O senhor participa dessa organização?

Olavo balançou a cabeça, sorrindo.

— Não diretamente, mas como sou um Grão-Mestre preciso acompanhar o desenvolvimento ético e social da ordem Demolay, já que faço parte do supremo conselho.

— Perdão, mas o que significa ser um Grão-Mestre? — Lucas estava curioso.

— Bem como explicar? — Olavo coçou a cabeça, tentando encontrar as palavras certas para um leigo. — É o nível mais alto do patamar da maçonaria, e existem muitos grãos-mestres espalhados pelo Brasil e pelo mundo.

— Maçonaria é o que exatamente?

Olavo parou e sentou num banco de madeira, e Lucas o acompanhou.

— É uma instituição particular onde pessoas assim como eu, ou como qualquer outro esteja disposto a querer ser alguém mais instruído na vida, aprender a ser um líder e estar a frente de tomar grandes decisões para o bem em comum, que é construir um mundo mais justo para todos.

Lucas estava surpreendido.

— Nossa parece um clube ou algo do tipo.

Olavo riu com a ingenuidade dele, e o abraçou de lado.

— Para se tornar um membro da Demolay precisa ser uma pessoa justa com amor e valores éticos, e ter fé.

— Tipo ter uma religião?

— Não necessariamente ter ou frequentar uma religião, basta acreditar em algo divino e que isso seja à base de estrutura para você ter fé nisso, entendeu?

— Eu acredito em Deus, isso basta para ser da ordem?

Olavo confirmou.

— Com certeza, eu em particular prefiro chama-lo de Gadu, que significa ser um deus de todas as religiões sem fazer distinções.

— Hum, interessante, então você faz parte de uma organização de pessoas comprometidas a mudar o mundo para o melhor, e a ordem Demolay é apenas o começo para ingressar na maçonaria, acertei?

— Gostei da dedução Lucas.

— E você acha que eu tenho chances de fazer parte dessa organização?

— Com certeza! Como eu disse, tudo o que você precisa está aqui — cravou o dedo dele na têmpora de sua cabeça. — Se saber usá-la poderá a vir ser um grande homem, e fazer muito pelo mundo, conhecer países incríveis e estar envolvido para um mundo novo e melhor no futuro. É muito recompensador.

Lucas estava com as pernas inquietas, mordeu os lábios, ficando cabisbaixo. Sua estranha reação deixou o senhor Olavo preocupado.

— Lucas o que foi?

Lucas ficou sem jeito e seu coração começou a disparar. Suas mãos apertaram a extremidade da madeira do banco com muita força, como se tivesse receoso em contar algo.

— Eu... preciso ser justo com você — Lucas disse levantando seu olhar trêmulo para ele.

— Lucas pode falar, não tenha medo — encorajou.

— Eu acho que... não posso ser um bom líder — sua voz estava cada vez mais trêmula.

— Porque não poderia Lucas, todos podemos, basta querer e lutar para isso.

— Não é tão fácil assim Olavo.

— Porque não seria Lucas? Conte-me — incentivou.

Lucas suspirou, com vontade de chorar.

— Porque um mundo melhor pelo qual você quer lutar nunca existirá, não para mim, que vivo sendo discriminado por ser... — Lucas sentiu o peito pesar, e a garganta querer fechar. — Eu sou gay.

Olavo ouviu e não esboçou nenhuma reação contraditaria sob sua revelação, também não disse nada por alguns longos segundos, dando a Lucas à chance de se recompor.

— Lucas, eu... — ele se interrompeu, e desviou seu olhar para frente, como se quisesse encontrar uma solução. — Eu entendo que você pense assim, mas é por isso que pessoas como nós estamos tentando...

Lucas estava em lágrimas agora, suas mãos tremiam.

— O senhor não compreende, a quanto tempo a sociedade vem tentando e nada dá jeito? — desabafou Lucas, olhando para ele, e Olavo ficou assustado pela primeira vez ao vê-lo desesperado. — Não se pode mudar a cabeça de uma pessoa apenas dizendo palavras bonitas! Eu não faço mal a ninguém, e mesmo assim sou discriminado por simplesmente ser quem eu sou.

Olavo engoliu seco. Sua vontade era de abraça-lo, de confortá-lo, mas sabia que Lucas precisava expulsar de dentro dele toda aquela amargura que vinha a anos carregando.

— Eu não sei por que as pessoas não conseguem aceitar o modo de vida das outras, realmente é a única coisa que não consegui aprender...

Lucas enxugava as lágrimas, mas suas palavras estavam sob carregadas de forte emoção ainda.

— Nós gays não somos aceitos de livre espontânea vontade em lugar algum, o senhor sabe disso, muitos ainda tem que se camuflar ou ficar enrustido para ter um espaço de igual em qualquer mercado de trabalho, ou em algum lugar público.

— Sim Lucas você está certo, mas isso um dia irá acabar...

Lucas riu ironicamente dele.

— Por favor, isso não terá fim, é uma utopia em querer acreditar que um dia chegará a existir um mundo onde a discriminação de qualquer parte será extinta, se hoje o que mais vemos é a mídia comprada dando espaço para os intolerantes fascistas, e para a minoria que luta para ter mais igualdade! — o explanou, deixando o senhor Olavo de boca aberta. — Sabe que esse mundo vive disso, de guerra, e enquanto existir confronto de ambas partes, o preconceito sempre irá existir. Mais políticos evangélicos vão dar as caras criticando e acusando que nós gays somos ruins, que ameaçamos as crianças, que somos repulsivos e que deveríamos ficar longe de todos. O senhor compreende a nossa situação?

O senhor Olavo não teve o que argumentar para fazê-lo ter mais esperanças no mundo, pois a realidade era assim desde o começo do mundo, sabia que na própria sociedade maçônica existiam muitos intolerantes quanto à sexualidade de outros maçons que tinham que viver enrustidos... conhecia esse lado negro que persistia não somente dentro do seu mundo, mas como em vários outros.

— Desculpe Lucas, eu sei que está certo, e nada que eu disser vai mudar essa triste realidade, sim, você disse certo, enquanto existir guerra, confrontos pessoais sempre vamos bater na mesma tecla e não sairemos do mesmo lugar.

Lucas estava mais calmo, e controlava seu soluço.

— Eu que peço desculpas, por ter sido rude quando o senhor estava somente tentando me dar esperanças... — e o abraçou. — Se não fosse por isso, eu já nem sei o que teria acontecido comigo.

Olavo o abraçou forte e sussurrou no seu ouvido.

— No que depender de mim não deixarei você ser consumido por todo esse ódio gerado por essa geração injusta Lucas, eu mais que ninguém te apoio e te darei toda ajuda para vencer essas barreiras, e sei que David vai perceber que a melhor pessoa para estar não é com aquela mimada insuportável, e sim com você, meu querido filho.


O Filho da BabáOnde histórias criam vida. Descubra agora