1 - O palco de tudo

2K 193 329
                                    

PRIMEIRO ATO

Dizem que muitos objetos conseguem captar vibrações e emoções, e que estas acabam ficando armazenadas dentro deles.

A veracidade disso muitas vezes foi questionada e há quem diga que não passa de histórias inventadas pelo povo, verdadeiras lendas que são introduzidas de geração em geração, até chegar aos dias atuais.

Se considerarmos essa ideia fantasiosa como real, imagine o quanto de emoção pode existir num único medalhão, por exemplo, que pertenceu ao antepassado de alguém.

Levando em conta o amor e carinho que muitos têm por coisas, muitas vezes, infelizmente, até mais do que por pessoas, existe toda uma lógica que fundamenta esta ideia.

Aqui não estamos objetivando julgar os atos realizados, mas meramente ilustrar uma ideia, até porque não existe maldade alguma em dispensar carinho e atenção para algo que nos faz lembrar de alguém que amamos.

Imagine então um quadro, um anel de noivado, uma peça de roupa, quanta coisa existe que já pertenceu a alguém e que recebeu energia deste ser por toda uma vida.

Se este objeto puder captar de fato emoções e armazenar dentro de si, aí está a explicação do conforto que ele traz para o seu atual proprietário, um conforto baseado em tudo que o seu dono anterior sentiu e transmitiu para ele.

Seguindo nessa linha de raciocínio, e se o objeto em questão não fosse algo pequeno, que pudesse ser levado no bolso ou coubesse no vão de uma estante...

E se a fonte de recordações fosse tipo uma escola, antiga, construída no início do século XIX?

Será que suas paredes, seus cômodos, até o seu piso, conseguiriam absorver muita energia dos milhares de alunos que por ali passaram?

É como dizem: as paredes têm ouvidos, e se elas ouvem, automaticamente elas também sentem e, consequentemente, se expressam de alguma forma.

E cada escola acaba criando suas próprias lendas particulares, coisas que o povo conta com o passar dos anos e na Modern English School of Bedfordshire isso não foi diferente.

Luton foi a cidade escolhida por um rico Barão do condado de Bedfordshire para se fundar uma escola.

No primeiro ano letivo de sua fundação o Barão foi homenageado com uma peça de teatro, que virou uma tradição para essa instituição, ocorrendo então a cada 5 anos.

Ele possuía uma adoração por este tipo de arte e ainda durante o processo de construção da escola, exigiu que primeiramente fosse erigido um pequeno anfiteatro circular e todas as demais dependências foram construídas em sua volta.

E assim a instituição prosperou junto com a cidade...

Em 1911, no aniversário de 100 anos da escola, a apresentação criada pelos alunos foi uma opereta, onde um trágico acidente feriu e matou um dos alunos durante a encenação.

No terceiro ato os suportes da cortina se soltaram e atingiram Catarina Campbell em sua fronte e ela caiu desacordada para nunca mais se levantar.

As autoridades da época investigaram a fundo todos os aspectos relacionados à morte desta aluna e concluíram em seus relatórios que tudo não passou de um acidente, mas essa conclusão não agradou muitos alunos, que cogitaram uma teoria de que o fato foi orquestrado para assim parecer, um mero acidente, mas que na realidade foi um assassinato planejado nos mínimos detalhes pelo diretor da instituição, Sr. Henry Campbell, tio e protetor de Catarina, que era uma rica órfã.

Em sua homenagem, ele deu o nome da sobrinha para o anfiteatro e com o passar dos anos esse episódio foi sendo esquecido e se tornou mais uma das inúmeras lendas escolares, daquelas que se ouvem por toda parte.

Diziam que a cada 5 anos, na preparação das apresentações, a alma de Catarina retornava e vinha assombrar os alunos participantes.

Outros diziam que a alma dela penetrou nas paredes da escola e enquanto não se fizesse justiça em seu nome, Catarina jamais descansaria em paz.

Agora, caminhando para o aniversário de 200 anos da instituição, numa típica noite fria de outono, o que se vê são suas inúmeras salas vazias e seus longos corredores onde parece ecoar os sons dos alegres estudantes que passaram por ali durante o dia.

Passando por estes corredores, você chega a parte leste da escola e passa pelo refeitório, os banheiros, e após ele lá está em sua magnitude o anfiteatro.

Se você reparar bem poderá ver que apesar do adiantado da noite, já entrando pela madrugada, as cortinas se mexem como se uma brisa passasse por elas, apesar de todas as janelas estarem fechadas.

É possível também, se você prestar bastante atenção, ouvir uma voz feminina entoando baixinho uma antiga canção:

Eu voltarei meu amor
Aqui da minha escuridão
Apesar de tamanha dor
Que corrói meu coração

Após isso o silêncio retorna para o palco, mas se você se esforçar um pouco mais poderá perceber que isso não é verdade, ainda existe um leve lamento, tão triste e tão baixo que mal dá para se ouvir, que vai diminuindo de intensidade até finalmente desaparecer.

Agora sim a quietude reina e a escola parece enfim adormecer, tal o vigia que dorme em seu posto de serviço e que se vê atormentado por um terrível pesadelo.

Nele ele foge desesperado de uma garota loira armada com uma adaga que reflete o brilho da Lua, enquanto grita a plenos pulmões.

É sua vez, meu amor! Cante ou morra...

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora