47 - A pergunta

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TERCEIRO ATO

Ela sorria quando há mais de um ano chegara naquele local e jurara para si mesma que não terminaria sua vida ali.

Hoje, com marcas no corpo e na alma, não trazia consigo o mesmo sorriso e tentava ocultar o rosto dos flashes disparados pela imprensa, pois em sua mente desejava um pouco de privacidade junto a sua família que, em algum momento do caminho, ela tinha certeza que deixara de acreditar na sua inocência, mas nem por isso a deixou desamparada.

Ficou por um tempo abraçada aos pais e rumou com eles para o veículo que os aguardava em frente ao portão principal da HM Prison Bronzefield.

Antes de conseguirem atravessar o grupo de repórteres que o cercavam, ela viu um microfone se aproximar do seu rosto e uma pergunta fez algo dentro dela se revirar.

Não soube dizer se foi a raiva ou o medo que a fez estancar, mas sentiu uma vontade imensa de gritar.

- Acha que ele vai matar novamente?

💠💠💠💠💠

Agatha acordou cedo naquela sexta-feira. Seus olhos pareciam estar grudados, devido as lágrimas que secaram nele, enquanto tentava dormir durante a madrugada.

- Eu preciso da sua ajuda, primo! - ela se recordou e a vontade de chorar voltou com força total.

Era recente demais a notícia da morte de Anderson, que viera em seu auxílio quando a família já começava a dar claros sinais de desistir dela.

Eles não se conheciam tão bem assim, pois ele morava longe de Londres e se encontravam somente nas raras festas familiares e nas férias escolares quando os Taylor viajavam para a casa de campo.

Mas foi o suficiente para que ele atendesse sem relutar a um pedido seu para que entrasse na MES e ajudasse a investigar o professor Green...

"Acha que ele vai matar novamente?"

A pergunta a trouxe bruscamente de volta para a realidade. Não estava mais na sua cela, não se encontrava mais encolhida apertando o travesseiro, estava livre e abraçada junto aos seus pais, mas as lágrimas sinceras de dor voltavam a queimar os seus olhos, lavando a maquiagem e deixando uma pequena marca pelo seu alvo rosto.

- O que o senhor acha? - Agatha quase gritou para que todos a ouvissem, olhando friamente para o repórter barbudo que mantinha o microfone próximo ao seu rosto - É claro que alguém ainda vai morrer, enquanto a incompetente polícia deixa um assassino fugir tranquilamente...

- E quando será isso? - insistiu o repórter sério.

Ela teve que rir, uma contradição em frente às câmeras de televisão, pois ria e chorava ao mesmo tempo.

- Provavelmente está planejando isso agora mesmo, enquanto estamos falando sobre coisas triviais.

- E sabem quem pode ser a sua próxima vítima? - questionou a Srta. King olhando para a maioria dos rostos lentamente, que mantinham o ar profissional estampado neles e aguardavam ansiosamente que ela continuasse.

Agatha podia sentir a ansiedade dos repórteres saindo pelos poros de suas peles e aquilo a divertiu muito, chegando a gargalhar, enquanto limpava com um pequeno lenço a maquiagem derretida pelas lágrimas quentes.

- Eu sei o que as senhoras e os senhores esperam que eu diga. Eu sei! Inclusive para todos aqueles que estão sentados em bares e no conforto de suas casas. Ah, eu sei!

- Querem que eu diga que estou morrendo de medo de que ele me procure para me presentear com mais uma de suas doces taças de veneno. É isso que esperam que eu diga? Está bom assim? A minha mensagem ficou clara?

A Srta. King balançou a cabeça duas vezes, antes de prosseguir.

- Mas não é somente isso que eu vou dizer. Eu tenho medo sim, por mim e pela minha família, da qual ele tirou o Anderson. Não queremos mais sofrimento, isso é a mais pura verdade.

- Só não esqueçam de algo muito importante: eu sei como ele pensa e age, então para mim será mais fácil me proteger. Agora, e quanto as senhoras e os senhores que estão me vendo? Será que vão ter a mesma habilidade que eu? Não pensem que um assassino, quando deseja matar, perde muito tempo escolhendo a vítima perfeita, principalmente enquanto está com medo de perder a sua liberdade.

Agatha ficou séria e depois de um longo suspiro, encerrou a entrevista forçada pela mídia.

- Eu não quero assustar ninguém, não sou tão cruel e fria assim, mas se toda a sociedade inglesa não fizer a sua parte para ajudar as autoridades a prender este assassino, pode ser que amanhã outro corpo seja encontrado boiando no Tâmisa ou abandonado num beco escuro da East End.

- Me desculpem se não era isso que esperavam que eu dissesse, que não era esse assunto que desejavam discutir durante o chá das cinco, mas creio que agora é...

Agatha sorriu novamente e já se preparava para seguir com seus pais, quando decidiu que ainda tinha algo a dizer.

- E Adam, eu sei que o senhor está vendo essa transmissão ao vivo. Sabe o que eu faria no seu lugar? O senhor sabe o que eu faria, eu já lhe disse uma vez, aqui mesmo nesta prisão que eu deixo agora para trás...

Dito isso ela entrou no carro da família e partiram.

💠💠💠💠💠

A imagem de Agatha era vista por diversos ângulos pelo homem que observava os televisores expostos na loja.

Ele tinha que admitir que ela tinha um sorriso bonito e, mesmo quando a raiva parecia dominar suas palavras, continuava muito atraente.

- Tem razão, Srta. King - disse ele para si mesmo, ao ver o final da reportagem.

Longe dali, mais um ator daquela encenação desligava o seu aparelho de TV com um olhar intrigado para a tela, querendo entender aonde tudo aquilo levaria, além de realmente para mais uma morte, que poderia ser, provavelmente, a dela mesma.

Sem querer ele quase acertou em cheio na sua previsão...

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora