58 - Meia-noite

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Como disse que faria, Adam, O Professor Assassino - como ficou conhecido na mídia inglesa e internacional - nada disse nas exaustivas sessões de interrogatório elaboradas pela Scotland Yard, com coordenação do investigador Thompson.

Ele contratou, para estranhamento de muitos, o mesmo advogado que representou a Srta. King, doutor Gustaf Griffiths, agora da recém-inaugurada Assessoria Advocatícia G&G, cuja reputação ganhou muito prestígio com o caso desta ilustre cliente, mesmo não tendo êxito inicial em sua representação.

Na primeira conversa que Adam teve com o advogado, deixou bem claro qual seria a estratégia que deveriam seguir.

- Quero que o doutor não faça nada para me defender.

- O que o senhor quer dizer exatamente? 

- Isso mesmo que o doutor entendeu! - disse sorrindo o professor - Quero somente que ganhe tempo, todo o possível, para que eu não vá a julgamento.

- Entendi! Isso eu posso fazer, mas posso lhe perguntar qual o objetivo disso?

- Perguntar pode, mas se eu vou lhe responder, esta já é outra questão. É possível atrasar o processo?

O Dr. Griffiths coçou o queixo liso.

- Sim, é possível. Mas vou precisar apontar em alguma direção, para que a polícia investigue e assim conseguiremos ganhar tempo.

- Apontar em outra direção? - disse o professor refletindo - Creio que posso ajudá-lo com isso. Vou pensar e daqui a alguns dias lhe comunico.

Naquela mesma tarde, Adam foi conduzido para mais uma sessão de interrogatório, mas desta vez ele abriu mão da presença de seu advogado, que o deixara pela manhã. Estava curioso e intrigado com o progresso do investigador que se encontrava a sua frente e não queria dar nenhuma munição para o seu representante legal que, como imaginava ser comum nestas classes, muitas vezes agiam por conta própria e ele não queria correr esse risco.

Thompson o encarou friamente. Estava cansado de não ser levado a sério pelo professor, que tinha uma aparência claramente divertida e uma paciência de um jogador veterano de xadrez.

Entrou na sala e Adam se encontrava algemado, diferente da primeira vez em que o interrogara, há bem mais de um ano.

Ao recordar desta época, o investigador teve uma ideia, que na sua opinião poderia dar certo, mas primeiro necessitava vencer a resistência daquele astuto homem.

Assim, sentou-se na cadeira na frente dele e permaneceu por um longo tempo em silêncio. Permaneceu assim por quase uma hora. Saiu da sala e retornou com uma xícara de café fervendo, de onde Adam podia ver a fumaça flutuando no ar.

Thompson tomou calmamente o café e permaneceu quieto por mais um quarto de hora. Quando finalmente vislumbrou que o olhar do professor denotava uma curiosidade diferenciada e aquele semblante alegre fugira de seu rosto, resolveu começar um diálogo, de uma forma nada peculiar.

- Fico imaginando, Adam, o que Gerard pensaria de toda essa situação.

Ele disse essa única frase e deixou o professor por mais uma hora sozinho e nem perdeu tempo observando-o pelo espelho falso usado para monitorar e gravar os interrogatórios.

Ao retornar, trouxe chá para ele e uma nova xícara de café para si próprio e manteve o silêncio, até que Adam não conseguiu mais se conter.

- Esse foi um golpe muito baixo, Richard! - disse ele.

O investigador manteve a quietude, somente observando-o, enquanto a face do professor ficava vermelha. Não sabia dizer ainda se era de ódio ou nervosismo, mas acreditava que logo saberia.

Por dentro as emoções de Adam se reviraram, causando-lhe um enjoo violento, que ele conteve como pode, pois não queria passar novamente uma postura de um homem derrotado, apesar de saber que o investigador era uma pessoa extremamente sensível e mesmo a artimanha que utilizara, tocando em algo que ainda o machucava muito, não fora feita de uma forma desrespeitosa ou cruel. Foi somente como um tapa bem dado em seu rosto, daqueles que precisamos levar em algum momento, para recuperarmos a insanidade que está nos sufocando.

Depois de refletir por mais um longo tempo, pediu para o investigador um pedaço de papel, no qual rabiscou uma única palavra: meia-noite.

Thompson soube ao ler que conseguira um importante voto de confiança do professor e pediu para que o reconduzissem para sua cela especial.

Não fez nenhum relatório naquele momento e também não comentou nada com Turner sobre a sua estratégia. Perto da hora do chá, se retirou para o hotel onde estava instalado provisoriamente. Cogitava se mudar para Londres, pois acreditava que num futuro próximo seria convidado para trabalhar na Scotland Yard e o andamento do caso atual seria crucial para esse possível convite.

Estava agora em fase de negociação com sua esposa que adorava Luton, para que essa mudança pudesse acontecer, mas caso ela não concordasse, Thompson não se incomodaria em viajar todos os dias a trabalho, mas sabia que alguns casos, como o atual, exigiriam dele uma proximidade maior com a sede policial e teria que se acostumar a pernoitar em hotéis. Desta forma concluiu que seria melhor adquirirem uma residência na capital, para justamente ter um pouco mais de conforto, caso o futuro lhe sorrisse da forma que esperava.

Devaneava sobre esta e outras questões quando seu celular tocou, exatamente na hora combinada, quando no Big Ben soava as 12 badaladas ao longe, indicando o início de mais uma madrugada.

Não reconheceu a voz da pessoa do outro lado da linha, que se apresentou somente como um conhecido prestando um favor a um amigo.

Thompson ouviu atentamente e não interrompeu a ligação em momento algum, que terminou alguns minutos depois.

Redigiu tudo que ouviu, depois ligou para Turner e lhe contou todos os fatos do dia. Seu parceiro, que já sabia como ele raciocinava, não se surpreendeu com o horário da ligação, muito menos com o sigilo que Thompson mantivera, para só o deixar a par de algo que realmente valesse a pena cogitar.

Depois de ouvir tudo, Turner fez a pergunta crucial.

- E podemos confiar nesta informação?

- Eu queria justamente ouvir a sua opinião...

Um curto silêncio se fez e Turner prosseguiu.

- Estamos perto do final do ano, período de Inverno com férias escolares. Sim, eu acredito que é o momento propício para que algo assim seja realizado. Acredito que não temos nada a perder.

- Foi exatamente isso que eu pensei, Turner. Prepare o seu melhor casaco, pois enfrentaremos  neve nos próximos dias...

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora