29 - Uma tela

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Estava no pequeno apartamento em Londres quando recebeu uma rápida ligação.

Ouviu o assunto, que não o surpreendeu, colocou um casaco e após uma rápida conversa com o gerente do hotel, chamou um táxi e rumou para Luton.

No caminho foi organizando em sua mente assuntos que precisava resolver. Pontas soltas — pensou sorrindo, mas queria antes se sentir em casa novamente, para poder organizar melhor suas ideias.

Na Avenida que precedia a MES, dava para vê-la ao longe e a emoção que sentiu foi profunda, pois ali estava o seu destino e ninguém poderia impedi-lo de retornar.

Na verdade imaginava que era a escola que o chamava, noite após noite, através dos sonhos, como se ele ainda tivesse ali uma grande obra a realizar.

Lembrando disso, um detalhe lhe veio a mente e fugindo do que lhe era comum, pois dificilmente esquecia de algo, anotou um lembrete em sua agenda.

Se sentiu mais seguro ao ler a anotação, guardou a agenda na sua mala e lhe passou a chave, depois respirou fundo como nos dias em que atuava em pequenas peças e desceu do táxi, para desempenhar novamente este papel que adorava.

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— Sente-se professor Green.

Ele não queria sentar. Gostaria de ficar em pé e olhar da sua elevada estatura para o diretor empertigado na cadeira, que numa atitude nervosa alisava mais rapidamente do que o normal o longo bigode.

Como o diretor permaneceu impassível e olhando para o nada, o professor não viu alternativa a não ser atender a sua solicitação.

Sentou na cadeira vaga e cruzou as pernas, olhando para o diretor Ward que ainda desviava o olhar e seguindo nessa mesma postura, recitou seu monólogo decorado.

— As regras da escola continuam as mesmas. O senhor ficará com o quarto destinado ao professor de artes, os trabalhos que pretende desenvolver deverão ser aprovados por mim e pela junta educacional. As medidas administrativas necessárias...

— Quanta formalidade Antony — interrompeu o professor — Até parece que não somos amigos...

— Quanto às medidas administrativas — continuou o diretor sem dar atenção a interrupção — serão todas analisadas pela diretoria executiva da MES, a qual será soberana em suas decisões.

Ward se calou e o professor percebeu que era a deixa para partir, mas antes de sair da sala, o diretor fez um último comentário.

— E deixe a mim e a minha família em paz, pois eu também tenho amigos poderosos, Adam...

O professor o encarou sério, antes de responder.

— Não faço ideia do que o senhor está falando...

Virou-se e saiu, com um sorriso triunfante a iluminar o seu rosto.

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O professor Green foi diretamente para o seu aposento, onde arrumou suas coisas, com o mesmo cuidado de sempre, pensando em cada detalhe.

Após ficar satisfeito, pegou o celular e se concentrou para lembrar um determinado número, que no sétimo toque foi atendido.

— Sou eu, tem mais um serviço.

— Quem precisamos matar? — disse a voz masculina do outro lado.

— Não brinque com essas coisas, seu idiota — Adam respirou fundo e se controlou — Preciso que destruam certo jardim em Londres, façam parecer vandalismo...

O professor deu as demais informações e combinou o pagamento, depois desligou e resolveu repousar, mas ao ver o seu diário aberto na cama, o folheou e lembrou que precisava confirmar algo que o estava incomodando, no sentido de aliviar uma curiosidade.

Saiu do quarto e não precisou procurar muito. No corredor que dava acesso para o anfiteatro, encontrou a bela moldura na parede. Nela, no estilo óleo sobre tela, pode ver retratada a Srta. Catarina Campbell, mas havia algo de errado com pintura, faltava algo que ele tinha certeza que estava ali.

Procurou o nome do autor do trabalho e encontrou somente um rabisco irreconhecível. Recordou então do livro do centenário da escola citado pelo seu intrometido, mas brilhante aluno, Derick, e retornou para o seu quarto.

Retirou o grosso volume da estante e o folheou com calma, chegando exatamente na página que queria.

Ali estava uma foto da pintura que acabara de ver e não estava enganado, as imagens estavam diferente.

Ficou mais um tempo analisando a obra, depois foi procurar pelo zelador da MES e teve uma revelação.

Duas semanas atrás o seu pessoal encontrou no anfiteatro um objeto e julgaram que algum aluno o retirara do porão da escola, numa de suas aventuras por estes locais de acesso proibido.

— Eu posso ver? Vou precisar para uma peça que estou montando e quero fazer um registro fotográfico para um documento impresso...

— É claro professor, me acompanhe.

Seguiram até o porão, onde o senhor Green aguardou do lado de fora, mentindo para o zelador que a poeira atacava a sua renite. Estava ansioso demais e ficou com medo de tropeçar nas caixas que lotavam aquele local que cheirava a mofo.

Algum tempo depois o funcionário retornou com a lamparina que estava impecável, nova como no dia em que foi comprada.

— Me diga uma coisa, senhor Gilbert, esta peça não tinha um par igual.

— Não me recordo, mas espere que eu vou procurar.

Desta vez o zelador levou bem mais tempo, mas quando retornou, trazia nas mãos uma caixa empoeirada com outra lamparina dentro.

— O senhor tem uma excelente memória, professor, pois parece que esta caixa está fechada há anos...

Adam disfarçou um sorriso e aliviou o senhor Gilbert da caixa, agradeceu e retornou na direção do seu quarto, antes passando pelo corredor e tirando uma fotografia com seu celular no quadro alterado.

Colocou sobre o criado-mudo as duas peças. Era impossível não notar a semelhança, a não ser pela aparente diferença de idade, pois a original, mesmo após limpa com um produto próprio para polimento, ainda parecia ser um objeto antigo, enquanto a outra lamparina parecia uma réplica saindo da loja.

Ficou fascinado por aquele mistério e se deitou com a lamparina aparentemente mais nova no colo e em alguns minutos pegou no sono, onde num sonho descobriu exatamente o que tinha que fazer com ela, ao se encontrar com a sua dona, uma bela loirinha encantadora...

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora