2 - Da amizade ao desprezo

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Se existiam duas alunas notáveis na MES de Bedfordshire, reconhecidamente por todos, elas se chamavam Emilly Wilson e Agatha Taylor King.

A amizade entre as duas começou logo nos primeiros dias de aula, quando ainda eram bem jovens.

Foram crescendo e se tornando belas e talentosas, Emilly vindo de Wisconsin, do outro lado do oceano, e a Srta. King, como gostava de ser chamada, da capital.

Conforme cresciam, além das mudanças na aparência, as opiniões entre as duas, de forma natural, foram se alterando também, assim que chegaram ao Sixth Form, ambas caminhando para os 17 anos, o que por coincidência completariam em abril.

Antes essa coincidência era um motivo de felicidade imensa para as amigas. Emilly sempre mandava trazer presentes da América para Agatha, todos muitos excêntricos, e ela adorava e fazia questão de retribuir da forma mais criativa possível.

E essa troca de presentes foi a gota d'água para perceberem o quanto estavam se afastando uma da outra no ano anterior.

A Srta. King fazia aniversário alguns dias antes de Emilly e esta mandou trazer um belíssimo livro de frases escritas por autores famosos, falando sobre a beleza das pessoas.

A última página possuía uma única frase: Mas de todas as belezas do mundo, essa é a que mais importante...

Abaixo da frase havia uma fita vermelha, com a inscrição "Puxe" em letras douradas.

Agatha, curiosa por natureza, puxou rapidamente a fita e uma foto de Emilly mostrando a língua apareceu colada num pequeno espelho.

Ela não precisou de muito tempo, nem de gastar muitos neurônios, para perceber que a ideia do livro era que a pessoa que o ganhasse visse o seu próprio reflexo no espelho e entendesse o quanto era importante para alguém, mas a brincadeira de Emilly lhe arrancou somente um sorriso amarelo e agradeceu azeda, como se tivesse ganho um saco contendo Spring Greens.

Dias depois retribuiu na mesma moeda. Também deu de presente um livro para Emilly cujo título era Nothing, que o abriu imediatamente e foi folheando, vendo que todas as suas páginas estavam em branco.

Emilly começou a rir, mas ficou sem graça quando também, na última página, viu rabiscada a única frase do livro que dizia "Escreva sua própria história", onde abaixo Agatha colou uma foto sua, mostrando o dedo do meio em riste.

Chegou a chorar e atirou o presente no chão, saíndo correndo, deixando a Srta. King com um sorriso irônico no rosto para as outras amigas da roda.

— O que foi que deu nela? — perguntou enquanto ria junto às demais.

O ano letivo terminou alguns meses depois, mas as mágoas voltaram depois das férias.

Cada uma passou a caminhar nos intervalos com um grupo diferente de pessoas e foram se afastando cada vez mais, apesar de ainda frequentarem a mesma classe e optarem por matérias iguais.

Uma destas matérias era a aula de teatro, ministrada pelo professor de Artes, que neste período em especial, preparava uma apresentação musical e conforme o curso seguia, os papéis secundários eram distribuídos entre os alunos.

Agatha e Emilly, agora falando cada vez menos, disputavam os papéis principais com outras três garotas, até que só sobraram as duas e o professor decidiu escolhê-las do grupo feminino, sob uma chuva de aplausos dos demais concorrentes.

Para manter as aparências, elas se abraçaram e até se beijaram no rosto para comemorar, mas após saírem do anfiteatro, cada uma novamente seguiu num grupo diferente.

Aparentemente nem o fato de terem que ensaiar juntas nos próximos dias reacendeu a amizade entre elas.

Aparentemente essa amizade morreu...

💠💠💠💠

A MES possuía um segundo andar composto por um excelente dormitório, que foi construído nos anos 40, quando a escola começou a receber muitos alunos de outros condados afastados e até de diversos países, como era o caso de Emilly.

Era como se esse segundo andar fosse um espaço isolado da escola, com suas próprias regras e funcionários distintos, todos muito bem remunerados, o que exigia um alto valor na mensalidade dos alunos que ali se hospedavam, por vezes até por um período letivo inteiro.

Agatha sabia do isolamento de Emilly e por vezes passava a noite na escola, para fazer companhia a amiga, mesmo tendo um chofer particular para a levar para Londres.

Muitas vezes era o contrário, as duas iam para a capital passar a noite na mansão dos pais da Srta. King, onde Emilly era tratada como uma princesa e a sua alegria contagiava a todos, inclusive os empregados, os quais ela tratava como se fossem membros da família.

Assim que elas romperam a amizade, Emilly começou a alimentar um rancor imenso por Agatha e pensou por diversas vezes em se desculpar com ela, para que tudo voltasse como era antes.

Depois do resultado da conquista dos melhores papéis no teatro por ambas, a americana tomou coragem e a convidou para subir até seu quarto, para que pudessem conversar sem a interferência dos amigos.

Mal entraram, Emilly debulhou-se em lágrimas e pediu as mais sinceras desculpas por qualquer ato que tenha cometido e assim a ofendido.

A Srta. King ouviu tudo impassível e no final se manifestou.

— Eu aceito as suas desculpas, mas não quero mais a sua amizade, que se mostrou fraca e supérflua, facilmente substituível por outras tantas. Prefiro manter as coisas da forma que estão.

Saiu e fechou a porta, com o coração aos saltos. No fundo queria deixar tudo de lado, abraçá-la para voltarem imediatamente a ficar juntas, mas Agatha preferiu ouvir o conselho de seu professor favorito, que lhe disse simplesmente para seguir com sua vida e que caso a sua ex-amiga desejasse retomar a amizade, que o provasse de forma contundente e repetitiva.

No quarto sozinha, Emilly que também tinha dado ouvidos para um conselho, se arrependeu no fundo de sua alma por imaginar ter feito um tremendo papel de idiota e agora, ainda chorando, em vez de alimentar um rancor, o substituía gradativamente por ódio.

— Quem essa inglesinha de meia-pataca pensa que é? — sussurrou entre lágrimas — Quem ela pensa que é?

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora