25 - Uma luz

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O anfiteatro estava escuro, as aulas ainda não havia retornado na MES, os dormitórios do segundo piso estavam vazios, assim as únicas pessoas na escola eram dois vigias armados com pequenos bastões elétricos.

Um deles analisava as imagens do circuito interno quase cochilando devido a monotonia daquele serviço, enquanto o outro realizava a ronda obrigatória de hora em hora, onde o seu crachá magnético era utilizado em totens recentemente instalados, para comprovar a sua passagem em todos os ambientes.

O único local que não continha estes novos mecanismos era justamente o anfiteatro, por decisão da diretoria executiva, que entendeu que o ambiente deveria preservar as suas características originais, que davam um charme especial para a MES.

Mesmo assim a empresa do seguro predial exigiu que uma câmera fosse instalada de forma camuflada numa das paredes, para se ter uma imagem panorâmica de toda a sua extensão, sem a qual a cobertura do seguro não seria total.

Se o vigia que permaneceu responsável pelo circuito interno não estivesse quase cochilando, poderia ter notado algo diferente na tela do monitor que recebia as imagens da câmera do anfiteatro.

Mesmo às escuras, dava-se a impressão que alguém vinha de muito longe com uma lamparina na mão, como se o fundo de madeira não estivesse a pouco mais de dez metros de distância do palco.

Algum tempo depois, já era possível notar que o ser que transportava a lamparina era uma garota e que ela vinha balançando a cabeça loira de um lado para o outro, como se embalada por uma melodia, que pouco a pouco poderia ser notada pelo vigia, caso aquela câmera possuísse um sensor de detecção de ruídos.

O som, a princípio parecia ser um lamento, mas com a aproximação dela, percebia-se que se tratava de uma canção, daquelas que a gente resmunga com os lábios fechados.

Quando ela finalmente alcançou o palco, se curvou para a plateia invisível e soltou uma risada tão alta que ecoou por todo o anfiteatro e ficou se repetindo no ar.

Depois disso, retornou correndo por todo o trajeto realizado, deixando para trás a lamparina que pouco a pouco foi se apagando, trazendo a escuridão de volta ao mesmo tempo em que soavam as últimas notas da risada que ainda ecoavam no anfiteatro.

Quando, enfim, o silêncio e a escuridão deram as mãos, a escola voltou a repousar.

💠💠💠💠💠

— Preciso da sua ajuda...

O chá fervia na xícara, mas o reitor
Christofer Brown não parecia se importar ao entornar mais um gole do líquido que ele tanto gostava.

— E em que eu posso lhe ajudar? Já disse meu caro professor Green que lhe arranjo uma sala na universidade amanhã mesmo, caso aceite a minha oferta...

Ele suspirou irritado antes de responder.

— Eu agradeço novamente, mas não, meu lugar é na MES, me apaixonei por aquela escola...

— Aquela escola velha? — caçoou rindo e a sua cara gorda tornou-se ainda maior quando as bochechas saltaram no rosto.

Quando percebeu que o professor o olhava sério, continuou de forma apressada.

— Desculpe! Eu sei como são as paixões que nos cegam, eu mesmo já as tive no passado. Hoje me contento em ser mais prático.

— Não se trata disso somente...

— Se explique Adam.

— O diretor Ward está sendo injusto e ele sabe disso. Eu sou excelente no que eu faço, consigo transformar as pessoas e tirar delas o melhor...

— Ou o pior...

O professor Green se arrumou na cadeira do recinto quase vazio e fuzilou o amigo com o olhar.

— Não faça isso...

— Do que está com medo Adam, não tem nenhum detetive aqui...

— Mesmo que tivesse eu não devo nada, mas não faça isso...

— Estava somente recordando de Gerard e do quanto você o transformou...

— Ele era um tolo, um tolo... — cortou o professor com os olhos marejados — Não fale mais dele, ainda dói muito...

Um silêncio constrangedor tomou conta dos dois por algum tempo e foi quebrado pelo toque de um sino ao longe.

— Seis horas, preciso retornar para a reitoria — disse o Sr. Brown chamando um empregado do recinto.

— Vai me ajudar ou não? — pediu o professor lhe segurando pelo braço, quando este com esforço se levantava da cadeira.

O reitor pagou a conta e o encarou.

— Segue comigo?

Adam concordou com um aceno sério.

— Quer que eu solicite um táxi senhor? — perguntou o atendente.

— Por favor — respondeu o professor.

O dia ainda estava claro ao saírem do Tea Green para a universidade e permaneceram calados durante todo o curto trajeto de táxi.

Na calçada da universidade, antes de se despedirem, o reitor pediu para que o motorista aguardasse um pouco e iniciaram uma lenta caminhada.

— Eu vou ver o que posso fazer Adam. Ligarei ainda hoje para o Antony.

— É só isso que eu quero, diga isso a ele, montar uma nova turma de teatro e trabalhar...

— Mas por que lá meu amigo? Têm tantos outros lugares...

— Eu preciso retomar o meu posto naquela escola...

— Tudo bem Adam, vou falar com ele, mas no seu lugar eu deixaria a MES no passado e iniciava uma nova história em outro local.

— O amigo é talentoso, eu concordo, e aquele lugar vai acabar lhe trazendo complicações, você sabe do que eu estou falando...

— Eu sei, eu sei... Mas sinto que tem algo dentro de mim, algo me dizendo que eu preciso voltar para aquela escola e terminar o que eu iniciei...

— Sabe — continuou o professor olhando para as suas mãos — algumas vezes sonho que estou preso num lugar escuro, uma escuridão tão sufocante que rouba o ar dos meus pulmões, até que vejo um tipo de um lampião e o agarro e sei que ele vai me levar com segurança para a luz...

— É só um pesadelo sem significado algum Adam...

— Eu também concordaria meu amigo se não fosse por um detalhe misterioso...

— Vamos, me convença! Sabe que eu sou extremamente cético com relação a alguns temas sobrenaturais...

— É o lampião, eu conheço ele, pois é diferente dos demais...

— E onde o viu antes? Numa casa de penhores em Londres? Nas bugigangas do porão da sua tia?

O reitor Brown iniciou uma pequena risada que morreu ao ver o semblante do amigo.

— Não, eu o vi antes num retrato de mais de cem anos atrás, que o mostrava numa mesa ao lado de uma estudante famosa da MES...

— E o que isso tem de estranho?

— Essa estudante morreu atuando no mesmo palco em que a Emilly se foi...

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora