5 - Os diversos papéis

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Derick Mitchell era um dos poucos alunos da MES que vinham da classe mais pobre da Inglaterra. Por esta razão, para ser aceito nesta importante escola suas notas teriam que ser as melhores possíveis.

E foi o que ocorreu: estudou numa escola sem tanta tradição até os 12 anos, depois conseguiu uma bolsa integral para a MES, que incluía alimentação e moradia.

A fama de aluno indisciplinar só o alcançou quando começou a questionar demais os temas discutidos em classe, principalmente os que eram relacionados a política e a nobreza, causando incômodo nos professores.

Como lia muito, conseguia levar os níveis de discussão para pontos onde ele constantemente criticava o sistema como um todo, referenciando a maneira como as posses foram divididas no passado, o poder centralizador da monarquia e os ajustes necessários para tornar mais justa a atual sociedade inglesa.

Esse pensamento radical o colocou em situações complicadas por diversas vezes, onde Derick era convidado a fazer uma visita ao diretor Ward, para prestar esclarecimentos, que na sua grande maioria não levavam a mais que uma advertência verbal.

O problema tomou um vulto maior quando Derick começou a criar grupos de discussão que passaram a apoiar suas ideias. Esses grupos passaram a defender pensamentos radicais e geraram conflitos com outros grupos de alunos, que pensavam de forma diferente.

Quando a situação começou a ficar insustentável, o diretor Ward convidou o principal causador dos distúrbios a se retirar da MES.

- Sr. Mitchell, eu vou ser bem direto: se essas confusões continuarem, vamos providenciar a sua transferência para outra escola, o quanto mais longe possível daqui o for, dentro da previsão legal que consta nos termos da sua bolsa de estudos. Estou sendo claro?

Na ocasião Derick nem precisou responder com palavras. Em pouco tempo os incêndios ideológicos que ele mesmo causou foram apagados, fato este que ocorreu quando o professor Green assumiu a matéria de Artes.

Foi isso que fez com que o professor o colocasse num rol diferenciado de alunos com o qual poderia contar e Derick fez um papel excelente, dentro e fora do anfiteatro.

O professor o encarregou principalmente de encontrar duas alunas que fossem talentosas, ambiciosas e tivessem uma boa amizade que tivesse sido encerrada recentemente, onde uma mágoa ainda pairasse no ar.

Ele buscou e não encontrou ninguém que se enquadrasse no perfil, mas o Sr. Green lhe demonstrou que em matéria de radicalismo ele era também um mestre.

- Se não temos, então fabricamos! - afirmou ele para Derick em uma de suas longas conversas.

- Mas isso não seria correto, professor...

- Meu caro Sr. Mitchell, estamos aqui falando de arte e em nome dela podemos ousar além das expectativas comuns.

- Se o senhor está dizendo...

A oportunidade surgiu quando Emilly e Agatha começaram a se distanciar por bobagens.

A Srta. King tinha muita afeição pelo professor Green e chegou a lhe pedir conselhos quanto aos problemas relacionados a sua amizade com Emilly.

- Gosto muito dela, professor, mas ela não parece valorizar isso e ainda por cima vive engajada numa relação afetuosa demais com o desordeiro Sr. Mitchell, que possui uma classe social duvidosa...

É como se diz: o Sr. Green ficou com a faca e o queijo na mão.

A persuadiu facilmente que a sua ex-amiga americana, cheia de ideias, deveria se provar digna de sua importante amizade e pediu que Derick se aproximasse com mais afinco ainda da Srta. Wilson, o que ele adorou, mas que no final lhe causou muita dor.

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Emilly estava se sentindo vulnerável e precisando de um ombro amigo, quando na sua mente, por coincidência, encontrou Derick perambulando pelo corredor do dormitório.

- O que faz sozinha ainda acordada, Srta. Wilson? - disse ele colocando no rosto seu mais belo e sincero sorriso.

Emilly não resistiu e começou a chorar intensamente e ele a abraçou.

- Ei, calma! Tudo vai ficar bem...

Quando a americana conseguiu enfim se controlar, percebeu que estava adorando aquele abraço e nem fez menção de escapar dele, enquanto contava para Derick sua última discussão com a Srta. King.

Permaneceram abraçados por um bom tempo e depois de muita conversa acabaram se beijando.

Ele a deixou na porta de seu dormitório e com uma felicidade que não conseguia conter, correu para procurar seu mentor.

Ao encontrar o professor Green, disse exultante como conseguira desempenhar o seu importante papel.

- Ótimo, ótimo! Já temos nossas duas estrelas principais para o elenco da peça, agora só resta encontrarmos o nosso príncipe encantado, para que a trama fique completa...

- Com todo o respeito professor, mas acho que mereço viver esse personagem...

- Você? Eu não sei...

- Sim professor, adoraria fazer um par romântico com a Srta. Wilson. No fundo ela me parece ser encantadora...

- Não perca o foco, Sr. Mitchell, nada de envolvimentos pessoais aqui.

- Sim senhor...

- Mas sim - disse o professor se levantando - Creio que você seria ideal para o papel, meu caro Derick...

- Posso lhe perguntar por que mudou de ideia tão rapidamente, Sr. Green?

- Ora, é muito simples, a Srta. King não gosta do senhor e esse é o tipo de sentimento que eu queria levar para o palco: um desprezo genuíno.

- Pois eu também não a suporto, ela é muito esnobe para o meu gosto, muito diferente da Srta. Wilson...

💠💠💠💠

Ao se retirar da sala do professor, Derick levou na memória o sabor do beijo conquistado uma hora antes.

Torceu para encontrá-la novamente no corredor do dormitório, mas já era tarde e não viu ninguém.

Estava muito agitado e resolveu dar um passeio pela escola antes de dormir.

Acabou sendo atraído para o anfiteatro e ficou imaginando como seria a sua atuação ao lado de Emilly.

Nem percebeu que cantarolava ao deixar o local para se recolher .

Eu voltarei meu amor
Aqui da minha escuridão
Apesar de tamanha dor
Que corrói meu coração

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora