4 - A ideia

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Era uma segunda-feira​ chuvosa da Primavera, no início de maio, quando o diretor Ward reuniu todos os alunos do Sixth Form no anfiteatro.

- Antes de iniciar - disse ele ao microfone, onde imediatamente o burburinho dos alunos cessou - gostaria de chamar o professor Green aqui para o palco.

O professor de Artes lembrava o típico inglês, magro e alto, cabelo aparado, com seu terno elegante. Subiu calmamente para o palco, sob os aplausos dos alunos.

- Como todos bem sabem - prosseguiu o diretor - neste ano faremos uma apresentação teatral que marcará o aniversário de 200 anos da Modern English School of Bedfordshire, nossa querida MES...

- Essa apresentação, como de costume, ocorrerá em julho, próximo ao final do nosso ano letivo, e servirá como um evento de despedida dos alunos que nos deixarão rumo às universidades...

- Portanto, pelos meus cálculos, teremos quase dois meses para escolher os participantes, realizar os ensaios e exibir a peça.

- Sei que o professor Green já os vem preparando com aulas específicas de interpretação desde o Autumn Term, com foco justamente para esse evento.

- Quero pedir para todos, inclusive para aqueles que ficarem de fora do elenco principal, pois no mínimo atuarão como figurantes, que se esforcem ao máximo para nos auxiliarem na preparação deste importante trabalho, lembrando que ele servirá como avaliação para a matéria de Artes.

- E para falar mais detalhadamente sobre a apresentação como um todo, eu passo a palavra para o professor Green.

O diretor deixou o púlpito de madeira e foi se sentar numa cadeira lateral.

- Bom dia para todos. Tentarei ser o mais breve possível para que todos retornemos para as nossas atividades...

- O diretor Ward me procurou no final do ano passado para estudarmos qual seria o melhor enredo para esta importante apresentação que brindaremos a escola e todos os importantes visitantes que nos agraciarão com suas ilustres presenças no dia do espetáculo...

- Pensamos a princípio em reproduzir alguma peça de Ben Jonson e fazer algumas adaptações musicais, mais eu sugeri ao diretor que, devido às comemorações de 200 anos da MES, poderíamos fazer uma referência ao centenário da escola, encenando a peça musical desta época, que nunca chegou ao fim devido ao acidente ocorrido com a aluna Catarina...

Um conhecido estudante chamado Derick Mitchell, considerado como problemático em questões disciplinares, mas também um aluno brilhante, levantou a mão, interrompendo o professor de Artes, que olhou para o diretor Ward com um olhar inquisitivo.

O diretor fez um gesto com as mãos pedindo que o aluno se pronunciasse.

- Faremos uma peça especulativa, professor? - questionou ele olhando para o púlpito.

- Seja mais claro, Sr. Mitchell.

- Todos sabemos da lenda que envolve a morte de Catarina. Só queria saber se faremos uma especulação sobre esses fatos...

O diretor Ward se levantou e tomou o lugar do professor de Artes.

- Sr. Mitchell, creio que entendi aonde quer chegar, mas a resposta é não! Faremos uma reprodução da peça que infelizmente não chegou a ser concluída. Professor Green, por gentileza, dê prosseguimento...

Após o término das explicações sobre a apresentação, os alunos foram liberados para retornar para suas classes, mas antes de sair o professor de Artes segurou o diretor pelo cotovelo.

- Foi uma interessante sugestão do garoto. Excêntrica, mas inteligente. Poderíamos até aproveitar essa ideia, que acha Sr. Ward?

O diretor alisou o bigode, enquanto raciocinava.

- Eu não sei, professor, teria que levar ao conhecimento da diretoria. Muitos membros pertencem a famílias tradicionais e não sei o que pensariam sobre essa especulação...

- Seria um exercício interessante - cortou o Sr. Green - Eu poderia apenas fazer algumas pequenas e sucintas adaptações, que dariam um leve ar dramático acentuado, nada que fosse chocante demais...

O diretor Ward olhou para seu relógio suíço e se apressou.

- Pois bem! Confio no seu talento, professor, vou lhe dar carta branca para explorar essa ideia, mas de forma sucinta, como disse...

- Muito obrigado pela confiança, Sr. Ward, e acredite que tornarei essa apresentação inesquecível...

E foi exatamente isso que ele fez...

💠💠💠💠

Uma semana antes do Sr. Green convencer o diretor Ward a confiar no seu talento artístico, ele chamou um aluno para uma conversa particular, na sala dos professores.

- Sente-se por favor...

- Fiz algo de errado, professor Green?

- Tenha calma! É bem ao contrário. Tenho percebido o seu talento já há algum tempo...

- Meu talento? Mas eu nem participo das aulas de arte?

- Pois deveria, ouvi falar muito bem do seu poder de persuasão através de outros alunos e do seu charme junto às garotas...

- O que o Senhor deseja?

O professor riu.

- Direto ao ponto, não é mesmo! Gosto disso. Certo, preciso que me ajude com algo e temos que manter isso em segredo...

- Em segredo de quem?

- De todo mundo, inclusive da sua família, tem que ser um segredo absoluto. Pode fazer isso?

- Depende do que se trata... Vou ter que matar alguém? - disse o aluno rindo.

O Sr. Green o acompanhou ao sorrir também.

- Não espero que precise chegar a tanto - ele disse sério e quando viu o olhar assustado no rosto do garoto desatou a rir novamente.

- O Senhor me assustou professor! Em que posso lhe ajudar?

- Primeiro vou precisar que se inscreva para as aulas de arte...

- Isso é sério?

- Sim, depois você me ajudará na escolha do elenco principal para a apresentação deste ano, sem que ninguém fique sabendo...

- E o que eu vou ganhar com isso?

O professor o estudou por alguns segundos antes de continuar.

- Eu sabia que me perguntaria isso, mas é claro que pretendo lhe recompensar. Primeiramente será através de uma excelente nota...

- Isso não me interessa! - interrompeu o aluno.

- Calma por favor. Além da nota, assim que a apresentação terminar eu revelarei o segredo do seu auxílio secreto e o seu nome ficará nos créditos desta produção teatral, que entrará para a história da MES.

- Como pode ter tanta certeza do sucesso desta apresentação?

- Aí é que está, sozinho não conseguirei, mas com o seu auxílio, que conhece os alunos muito melhor do que um dia eu conhecerei, sim, faremos um trabalho fantástico. Lembre-se: são os 200 anos da escola e até a realeza estará presente...

O aluno olhou para os sapatos, depois se endireitou na cadeira acolchoada.

- Ah, isso já me interessa. Fazer bonito na frente da realeza é algo que está nos meus planos, mas para aceitar lhe ajudar professor, preciso saber onde estou me metendo.

- Muito inteligente da sua parte, meu caro. O que deseja saber?

O aluno fez os questionamentos em relação ao roteiro pretendido pelo Sr. Green e de sua participação nisso tudo e satisfeito apertou-lhe a mão no final.

- Ótimo, ótimo! - disse o professor.

E antes que ele saísse, voltou a falar.

- Não se esqueça então, Sr. Mitchell, da sua primeira tarefa na semana que vem...

Ele acenou e saiu sorrindo, deixando o Sr. Green também com um sorriso no rosto, que alguns segundos depois se evaporou.

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