48 - A fuga

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UM MÊS ANTES...

Enquanto passava pela floresta, com galhos raspando pelo seu rosto, imaginava todo o sacrifício que o levara até ali e o desperdício de tempo empregado. Tanto tempo, tanto esforço, mas ao menos conseguiu concluir a apresentação...

A noite estava escura e sem nada para lhe distrair, deixou que a sua mente o conduzisse para onde quisesse, algo que não era comum.

Incrivelmente a primeira pessoa que lhe veio em forma de pensamento não era uma das que mais gostavam dele. Ao contrário, fez de tudo para que ele não pertencesse a sua família, pois ela tinha uma opinião formada sobre ele.

Sua tia nunca se cansava de lhe dizer que ele era um imprestável, mas ele nunca admitiu e nem jamais admitiria.

- Pobre Luana... - disse para o vento.

Deveria ter notado que as coisas fugiam do controle quando seus contratados estúpidos causaram a sua morte, quando a ordem era só para fazer uma pequena arruaça e chamar a atenção dos detetives que cuidavam do caso, para que eles percebessem aquilo que se encontrava na frente dos seus olhos, algo que até o homem mais míope do mundo veria facilmente.

Depois veio o amigo de tantos anos, o único que realmente o conheceu de verdade, melhor até do que sua pobre tia.

Assassinado! Não tinha dúvidas quanto a isso! Tudo para quererem incriminá-lo...

Christofer era mais que um amigo. Adam o considerava como um irmão que jamais tivera.

Quando ele soube do seu passado nas ruas não foi julgamento que o professor viu em seus olhos, foi pura compaixão.

O apoiou quando se envolveu com Gerard, o consolou quando ele se foi...

E no final ganhou uma dose de veneno de recompensa.

Seu pai adotivo, antes de morrer com sua mãe, lhe dera valorosos conselhos sobre a vida e as dificuldades que enfrentaria e mesmo assim ele buscou o caminho mais fácil, o caminho dos fracos, e esse fora o seu maior pecado.

Tia Luana e o amigo Christofer sabiam, mas, por mais que não aprovassem suas credenciais falsas que lhe davam o aval para lecionar, sabiam também que ele era um artista nato, pois a arte, a divina, corria em suas veias.

Mesmo sua tia reconhecia o seu talento para escrever e atuar e completava, coma voz recheada de sarcasmo:

- Todo artista é um ser imprestável!

Sim!

Adam era o artista e a MES era a sua galeria e ninguém tinha o direito de lhe privar disto. Ele acharia uma forma de retornar e respirar de toda aquela atmosfera que tanto lhe fazia bem.

Justo agora que estava para desvendar alguns segredos de Catarina, que envolviam principalmente a sua morte, eis que o destino jogou pesado contra ele novamente.

Ele podia ser sim um imprestável com todas as letras, como sua tia bem o dissera diversas vezes, para que ficasse bem claro em sua mente, mas ele não era um tolo.

Ao vencer mais um longo pedaço da mata fechada, Adam não sabia mais em quem poderia confiar e o único que restara também agora estava na sua lista de suspeitos, dos culpados pela sua derrocada.

Teria que se virar com os velhos conhecidos, alguns que lhe deviam grandes favores, evitando aqueles para os quais também não era bem quisto, pois mesmo no mundo escuso algumas regras de conduta eram primordiais.

Assim pensando, chegou finalmente até uma estrada, pulou a cerca facilmente e se esgueirou pelas sombras na direção da metrópole. Sabia que estava muito a frente de seus futuros perseguidores e a dica recebida realmente o livrara de ser preso no final da apresentação.

Outro vacilo dos detetives, que esperaram muito para fecharem o cerco até ele. Se fosse preso, suas chances de conseguir a liberdade seriam mínimas, pois ao juntarem todas as provas, uma longa lista de contravenções surgiria e a sua palavra não valeria mais nada.

Ela... - se lembrou.

Ela também sabia do seu segredo e também o alertara, mas Adam agiu por conta própria, mesmo quando já começava a se sentir acuado. Era uma questão de honra ir com seu espetáculo até o fim, isso era imprescindível. Tinha certeza que desta vez tudo ocorrera como ele planejara, pena não poder estar lá para cumprimentar a plateia no final do ato e sentir os aplausos invadindo o seu ser.

Será que poderia confiar nela? - disse a si mesmo quando um veículo jogou o farol sobre ele e após percorrer mais alguns metros parou, onde seu condutor deu ré e parou ao seu lado.

- Posso lhe ajudar? - perguntou um senhor gordo e bigodudo.

- Ah, meu carro quebrou e o encostei numa pequena estrada...

- O senhor vem de onde?

Adam respondeu sem pensar.

- Venho de Chalton e tenho um compromisso urgente em Londres.

- Mas que sorte a sua, senhor...

- Sou Mike, Mike Evans - disse Adam esticando a mão, que imediatamente sumiu dentro duas mãos bem maiores que a dele.

- Muito prazer, Sr. Evans. Me chamo Alison Hughes e por coincidência estou seguindo para Brentwood, a leste da capital e seria um prazer ter uma companhia até lá...

O professor riu divertido da amabilidade e agradeceu, entrando e colocando sua mala no banco traseiro. Riu ainda mais por dentro ao imaginar o rosto do bom homem se descobrisse que estava sendo cúmplice de um possível criminoso.

Gostaria de não ter dito a ele que iria para Londres, pois tinha amigos em Brentwood que lhe seriam muito mais úteis. Até nisso o bondoso senhor o ajudou: a traçar um plano!

O Sr. Hughes aproveitou para tagarelar bastante durante a viagem, enquanto Adam acenava educadamente com a cabeça e dava corda para o homem falar tudo que ele quisesse.

Retornou seu pensamento para ela e se poderia lhe confiar algo no futuro, já que a mesma provara que jogava limpo, ao lhe contar alguns segredos que ninguém mais sabia.

Sim! - concluiu - Ficaria um tempo afastado e depois retomaria os seus planos e se fosse com a ajuda dela, melhor ainda.

Tinha certeza que em algum momento toda a verdade viria a tona, pois era impossível contê-la para sempre.

A verdade! - imaginou enquanto dava um sorriso de uma piada qualquer do bom samaritano que o conduzia - A verdade era como a água acumulada de uma enxurrada, nascida de uma tempestade que descia a colina e que a tudo que encontrava pelo caminho, levava consigo.

Nada pode escapar da verdade, se ela quiser se fazer presente...

Eis que ele era a verdadeira prova viva disto.

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora