26 - Contatos

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Na rua Wood Green, em Luton, existe uma bela casa de três quartos, com um pequeno jardim bem cuidado, cuja esposa do proprietário saía agora num dos carros da família, para fazer um passeio com os dois filhos pequenos do casal.

A noite começava a cobrir com sua longa sombra as belas residências geminadas e pouco a pouco as luzes das salas iam sendo acesas por seus moradores.

Por se tratar de um distrito tranquilo, os vizinhos conheciam uns aos outros e participavam de reuniões comunitárias com o intuito de preservar a segurança de todos.

Assim, quando um veículo estranho estacionou na bela casa onde há pouco tempo a moradora se retirou, o vizinho que morava em frente achou estranho e resolveu ficar de olhos bem abertos, pois todas as luzes da residência estavam apagadas, indicando que o seu proprietário ainda não regressara do trabalho, o que normalmente ocorria por volta das 8.

Do veículo escuro com os faróis apagados saltaram dois homens vestidos de sobretudo, que ao descobrirem que não havia ninguém, colocaram algo por sob a porta, subiram no veículo e partiram.

O vizinho não conseguiu anotar a placa do veículo, mas viu que se tratava de um Ford sedan. Dos homens pouco pode ver, tinham a mesma estatura, cabelos curtos e a pele clara.

Deixou suas anotações sobre a mesa de centro e começou a assistir a uma partida de futebol pela TV.

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Com o retorno das aulas na MES, os primeiros dias eram os mais corridos, até a necessária adaptação dos novos alunos, exigindo uma carga de serviço extra do diretor Ward, que vivia sobrecarregado de serviços que não podia delegar para ninguém.

Adorava seu trabalho e jamais alguém o via reclamando de nada, sempre mantendo a cortesia como sua marca registrada. Mesmo agora, a caminho de sua residência, ia planejando mentalmente as tarefas mais importantes da manhã seguinte.

Como já era tarde, resolveu colocar o seu carro na garagem coberta que ficava no fundo da residência e ao retornar para abrir a porta da sala, levou um susto ao se deparar com o vizinho, que trazia um caderno nas mãos.

— Boa noite Antony — disse ele.

— Como vai John? Bela noite para um passeio...

— Sim, ótima noite para isso, mas meu assunto aqui é outro...

O vizinho contou os detalhes da visita inesperada, sob o olhar atento do diretor.

— Não há de ser nada — concluiu ele, abrindo a porta e pegando um envelope que ficou preso no tapete da sala, que sua esposa insistia em deixar por dentro, mesmo com a existência do capachocom a inscrição “Welcome” no piso externo.

Olhou o envelope por fora, onde fora escrito apenas “Para o Sr. Ward”, virou-o na direção da luz e percebeu que no seu interior havia uma folha dobrada.

— Deve ser algum convite ou algo do gênero...

— Ou um envelope com antraz, ricina... Você deve ser cuidadoso, Antony...

O diretor fez um sinal afirmativo com a cabeça concordando com o vizinho.

— Melhor não arriscar mesmo, John. Fique tranquilo que vou me livrar desta estranha correspondência...

— Faça isso! Boa noite, estou perdendo uma partida emocionante do Arsenal.

Ward esperou que o vizinho atravessasse a rua e adentrasse a sua casa, depois fez o mesmo e trancou a porta da entrada.

Retirou a carta e leu a única informação impressa, que era um número de telefone desconhecido.

Memorizou os últimos dígitos, rasgou e amassou os papéis, depois os jogou fora, tendo o cuidado de colocar no fundo da lata de lixo reciclável, onde dificilmente seria encontrado.

A esposa retornou, ficou um tempo com as crianças e depois se retirou para uma pequena biblioteca particular, fingindo ler um livro, até que o celular tocou.

Reconheceu o telefone desconhecido e no terceiro toque atendeu.

— O senhor sabe o que tem que fazer, diretor. Chegou a hora de agir, a não ser que deseje outra visita nossa...

Antony não teve tempo de responder, pois a ligação foi encerrada.

Apesar da baixa temperatura da noite, uma gota de suor escorreu pela sua face e pingou na escrivaninha.

Ainda com a respiração acelerada, ligou para a única pessoa que poderia lhe aconselhar sobre aquela situação e após contar todos os detalhes, sem nada mais ocultar, sentiu um alívio imediato.

— Não temos opção a não ser adiantar nossos planos, Sr. Ward. Faça exatamente desta forma e não colocará em risco a sua integridade e a da sua família...

Ele escutou atento as instruções e fez algumas anotações que julgou pertinente.

Antes de se recolher para o calor do quarto, tomou uma taça de conhaque para relaxar, mas não conseguiu dormir e após mais de uma hora rolando na cama, retornou para a biblioteca e redigiu um documento de próprio punho.

Chegou a conclusão de que seria importante relatar todos os pormenores e após ficar satisfeito, depois de ler o documento duas vezes, assinou e datou.

Encerrou no cofre junto com outros documentos pessoais, cujo o acesso era exclusivo seu, a não ser no caso de sua morte, o que a simples lembrança o fez tomar mais duas generosas taças de conhaque, antes de cochilar na cadeira estofada.

Pela manhã, antes até do desejum, fez algumas ligações necessárias e deixou tudo arranjado para que pudesse se concentrar nas inúmeras responsabilidades que o aguardavam na escola, que era, a seu ver, sua maior proteção, ao mesmo tempo em que muitas vezes, como se sentia agora, lembrava uma prisão...

Encenação MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora