Tão perto do fim...
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Pensava em toda a minha vida na Terra, todo o sofrimento com o homem ao qual não era meu pai, todo o choro, toda as inimizades, todas as vezes que não conseguia sequer conversar com minha mãe.
A fazia sentir por toda a dor quando estivesse em Marte, de física à emocional. Principalmente a emocional.
E, que ela sentisse por tudo que eu sentia agora.
Eu ainda sentia falta de minha mãe. E doía ter a consciência que eu nunca mais a veria. Eu sentia medo de como ela estava agora e, ao mesmo tempo, por causa de Abezan, me sentia feliz por saber que minha mãe se sentia feliz.
No entanto, eu não faria com que Mística sentisse minha felicidade. Eu queria que ela sentisse minha dor.
E, principalmente, minha dor de agora. A dor de saber que todas aquelas pessoas do Supremo, especialmente a própria Mística, poderiam nos ajudar enquanto estão fazendo tudo apenas para seu benefício próprio.
E tudo aquilo doía muito. Em mim, e tinha certeza que nos meus amigos também.
Inicialmente Mística não expressou nenhuma emoção. Ou, melhor nenhuma dor. Ela continuou me olhando como se eu fosse uma formiga e ela o gigante ser humano que poderia me esmagar a qualquer minuto. Sua ironia e olhar de sobenarina era praticamente palpável, no entanto, eu sabia que ela sentia.
Aos poucos sua expressão de deboche se transformou enquanto ela franzia seu cenho e seus movimentos paravam por um segundo antes de ela tentar se mexer novamente.
— Isso é por todos nós. — disse, sem alterar meu tom de voz e me aproximei de Mística.
Coloquei minha mão no queixo dela, segurando seu rosto no lugar e encarando seus olhos que já não brilhavam com nenhum tipo de deboche. Ela quase não tinha mais expressões.
Sua boca se abriu para tentar dizer algo, mas nenhum som fora emitido. Eu sabia que eu a estava causando muita dor e não me desagradava ter consciência disso. Muito pelo contrário. Eu me sentia forte, muito mais do que em qualquer outro momento de minha vida. E eu sabia que Mística nunca teria tanta dor acumulada quanto eu. Ela nunca sentiria tudo que eu já tinha sentido se não fosse por meu poder sobre ela.
Afinal, eu era a humildade. E me sentia desconfortável de sequer pensar que eu realmente era isso. Para mim, soava prepotente dar adjetivos qualitativos para si próprio.
No entanto, segundo o significado de humildade, que não era pensar menos de si mesmo, mas pensar de si mesmo menos. Um espírito de auto-examinação. A coragem do coração necessária para se subjugar em tarefas que eram difíceis, tediosas ou humilhantes, e graciosamente aceitar os sacrifícios envolvidos.
Parecia-me uma descrição de mim mesma, sem qualquer prepotência minha.
Minha mão apertou mais em seu queixo e ela, devagar, colocou suas mãos em meus ombros, me batendo levemente, como quem estivesse se afogando e tentando se debater.
Ouvi que o barulho de luta tinha cessado e não olhei ao redor. Estava focada em Mística.
Ela abriu mais sua boca e fechou, devagar, sem força.
Eu não sentia pena. Eu, na verdade, não sentia nada.
— Claire! — ouvi quando falaram meu nome, mas eu estava focada demais para saber quem era.
— Claire! — dessa vez reconheci que várias pessoas gritavam meu nome.
Não me virei.
Os olhos de Mística estavam perdendo seu foco, mudando sua cor intensa para um desbotado.
— Claire! — mais uma vez gritaram meu nome, mas, não dei atenção.
As mãos de Mística continuaram sobre meus ombros, se debatendo de maneira infantil, mas, ao mesmo tempo, desesperada.
A larguei e ela caiu no chão, como se houvesse gravidade normal em Marte. Mesmo sem meu colar gravitacional, eu não levitava. E agora eu nem sequer sabia onde estava meu colar e, sinceramente, nem mais me importava.
Eu não precisava de um colar para dizer quem eu era. Nem sequer precisava dele para me lembrar da antiga Claire, da que, receosa, aceitou entrar no elevador com um desconhecido de cabelo azul.
Eu me lembrava dela naturalmente. Afinal, eu era ela, e ela continuava em mim. Mas entendia também que eu tinha mudado. Tanto que eu encarava Mística séria, com minha cabeça inclinada na direção dela, no chão e ela parecia uma criança frágil, sem reação, sem força.
Ela tentou levantar sua mão em minha direção, porém, não passou disso: uma tentativa.
Percebi que todos estavam me olhando e continuei sem me importar.
Os olhos de Mística continuaram sem foco e eu soube que o que antes, para mim, era uma possibilidade, naquele momento, se tornou real.
Eu tinha feito Mística sofrer um derrame cerebral.
Entendi que isso tinha acontecido porque além de ela não continuar levantar, seus movimentos estavam lentos e seu corpo continuava com aquela nítida aparência fragilizada.
Eu continuei a olhando e não sentia nenhuma pena dela. Pelo contrário — ou quase. Eu não sentia nada.
Meus braços estavam frouxos ao redor de meu corpo e com minha cabeça erguida, eu olhei para todos a minha volta.
Via o respeito nos olhos das pessoas. Ou talvez fosse o medo. Levantei minha cabeça, erguendo-a, mas não empinando-a.
Todos abaixaram sua cabeça, não me olhando nos olhos e, em seguida, se ajoelharam.
Dessa vez, eu empinei minha cabeça, mas não me nariz.
Eu me sentia indomada. Eu era A Indomada.
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A Indomada
Science-FictionTerceiro Volume da Trilogia "A Estranha" Claire e seus amigos tem mais um problema: conseguir sair de Z-Mil. Eles juntos são fortes, porém, teriam coragem e força - tanto mental quanto física - suficiente para vencer a batalha contra seus progenit...