Não tenho ideia de quanto tempo se passou desde que saímos de casa. Não consegui dizer uma só palavra, nem mesmo responder às tentativas de conversa de Henri. Só consigo ficar repassando a cena de novo e de novo na minha cabeça, tentando imaginar maneiras diferentes de ter dito a mesma coisa, mas que o resultado não fosse o mesmo. Me sinto triste, mas acima de tudo, me sinto decepcionado pela reação da minha mãe. Repasso pela milésima vez a cena na minha cabeça, enquanto olho as árvores lá fora passando num borrão verde escuro.
– O que foi meu filho?
– Preciso te dizer uma coisa. – Fiquei parado em pé ao seu lado, olhando para baixo, tirando forças de não sei onde.
Ela secou as mãos em um pano de prato e ficou de lado me olhando. Tentei olhá-la nos olhos e sua expressão era de preocupação. Respirei fundo mais uma vez e soltei a bomba.
– Henri é meu namorado.
– O quê?! – Ela se sobressaltou.
– Henri... É meu namorado, mãe. Eu sou gay.
– Ahh, Pedro... – Ela deu um passo para trás. – Isso é algum tipo de brincadeira?
– Não mãe, é verdade. – Minhas pernas estavam tremendo e meu coração se apertava cada vez mais.
Fiquei esperando a sua reação e ela simplesmente não disse nada. Ficou parada na minha frente, olhando para os próprios pés e em seguida saiu a passos largos, aparentemente chorando. Tentei ir atrás, mas ela pediu para deixá-la sozinha. Aquilo me deixou tão desamparado. Me senti uma criança abandonada, cheia de medo, minúscula no meio de um monte de gente gigante e assustadora. Eu poderia passar por qualquer problema e não me importaria desde que eu tivesse o apoio da minha mãe. Era tudo o que eu tinha de mais precioso nessa vida e eu tinha acabado de perder. Caí de joelhos e fiquei lá deixando as lágrimas caindo. Foi uma dor terrível, quase tão dolorida quanto a que senti quando meu pai se foi.
Depois daquilo acordei Henri e contei tudo. Ele me abraçou enquanto eu chorava em seus braços. Naquele momento ele não disse nada. Ele sabia exatamente o que eu estava sentindo. Talvez ele tivesse sentido o mesmo quando seu tio descobriu sobre a gente. Eu só queria que ele me dissesse o que ele havia feito para encontrar forças, mas não conseguia perguntar. Henri ficou comigo o tempo todo até que eu me recuperasse do choro, porque do sentimento de desamparo era impossível. Arrumamos nossas coisas e ficamos esperando a hora marcada. No fundo eu ainda tinha esperança que minha mãe voltasse do lugar aonde ela havia se enfiado para se despedir de mim. Mas isso nunca aconteceu. Em toda a minha vida, em todas as minhas viagens, até mesmo aquelas viagens curtas da escola, ela sempre veio me trazer no portão e se despedir de mim, me abençoando e me desejando uma boa viagem. Aquela foi a primeira vez que minha mãe não apareceu para se despedir e eu me senti a pessoa mais abandonada do mundo.
– Amor, toma uma água. – Sua voz me desperta.
– O quê? – Viro a cabeça para olhá-lo.
Seu olhar transmite compaixão e tristeza. Ele está triste por mim.
– Toma um pouco de água. – Ele me passa uma garrafa de plástico.
– Obrigado. – Tiro a tampa devagar, ainda olhando para fora, e tomo um gole.
Minha garganta agradece. Estava realmente seca e eu nem havia percebido. O sol está quase se pondo por completo, fazendo sombra nas árvores e morros. Aos poucos a rodovia começa a se abrir, dando sinal de que estamos entrando na cidade.
– Onde estamos? – Pergunto.
– Entrando no Rio de Janeiro. – Ele dá um sorrisinho.
Suspiro. Pelo menos estamos chegando em casa. Neste momento, é a única coisa que eu mais quero na vida. Chegar em casa. Nem sei para quê, mas preciso me sentir um pouco mais vivo de novo e acho que só o sentimento estar em casa vai me proporcionar isso.
– Desculpe. – Volto a olhá-lo. – Nem te dei atenção a viagem toda.
– Não tem problema. – Ele fica sério. – Eu sei como você se sente. Leve o tempo que precisar para colocar a cabeça em ordem.
– Não sei se consigo. Agora eu sou praticamente órfão.
– Não diz isso, Pedro. – Sua voz fica baixa. – Você não sabe como é ser um órfão.
– Desculpe. Falei sem pensar. – Suspiro. – Você acha que ela vai falar comigo de novo algum dia?
– Tenho certeza. Sua mãe vai pensar melhor e vai ver que você não mudou em nada, que você é o mesmo de sempre. Inteligente, esforçado, doce, gentil... Ela vai pensar melhor e ver que é bobeira dela.
– Tomara que sim.
– Só dê um tempo. Isso é novo para ela também.
– Eu sei, mas to com medo, Henri.
– Não precisa ficar. Veja o meu tio. Mesmo não aceitando até hoje, ainda fala comigo. Ele é um cabeça dura, sim, mas sei que no fundo ele não quer me perder.
– Engraçado você falando dele assim. – Sorrio.
– É verdade. – Ele também sorri. – Ele pode parecer um ogro, mas no fundo tem bom coração. Eu o conheço bem.
– Tomara que minha mãe não deixe de gostar de mim.
– Não se preocupe, amor. – Ele puxa minha mão e dá um beijo. – Ela te ama.
Sorrio.
– E eu também. Não vou te deixar sozinho.
– Obrigado, Piloto. Não sei o que seria da minha vida sem você.
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Última Chamada (Amor sem limites #3)
RomanceQuando Pedro conheceu o piloto Henri, teve início um caso de amor que mudou a vida dos dois para sempre. Tudo era novidade para ambos, já que nunca haviam se envolvido com pessoas do mesmo sexo. A curiosidade, o desejo e por fim o amor aproximaram o...