Chapter Nine.

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— Você só pode estar brincando! — enfatizei, pela décima vez, enquanto a encarava.

— Mas por quê? Qual o problema? — ela mantinha as mãos no volante, virando de vez em quando o rosto na minha direção — Eu achei que você iria gostar!

— Mãe, pelo amor de Deus! — recostei no banco do carro — Você sabe quanto tempo faz que eu não atuo? — repassei as contas na minha cabeça — A última vez, deve ter sido aquele musical de "A Bela e a Fera", em que eu fui um bule de chá!!!

— Só porque você não quis usar peruca para ser a Bela! — retrucou — E foi você quem cantou a música tema do musical, o papel da chaleira é um dos mais importantes.

— Pelo amor de Deus, mãe. — bufei — Você nem sequer me perguntou nada, como me inscreve para fazer parte de algo assim?

— Porque eu sabia que ninguém diria não para essa carinha linda sua! — ela afinou a voz e eu revirei os olhos — E estava cansada de ver você parecendo uma morta viva pelos cantos da casa. Já estava mais do que na hora de reagir.

— Foi por isso que voltou mais cedo? Achei que seu voo estava marcado para o final do mês.

— E estava. Mas me ligaram para falar que você foi selecionada, e eu sabia que iria reagir exatamente assim. — ela sorriu para mim — Não iria te deixar perder a oportunidade.

Senti o freio brusco no carro no momento em que um outro carro atravessou a frente do nosso.

— Isso se conseguirmos chegar até lá. — cutuquei.

— Olha aqui, você me respeite! — ela rangeu os dentes — A culpa é desses barbeiros que se metem onde não são chamados.

Minha mãe era absurdamente independente. Ao ponto que não aceitava de jeito nenhum que eu tenha tirado a carteira de motorista antes dela. Mas isso não era por eu ser um prodígio, e sim por ela se irritar com os instrutores, ao ponto de ser reprovada quatro vezes, antes de ir fazer a quinta prova sob efeito de calmante.

— É aqui?

— Segundo o GPS, sim. — ela inclinou a cabeça para conseguir olhar por baixo do vidro do carro, enquanto entrava no estacionamento do que parecia ser um hotel enorme.

— Mãe, você me mete em cada uma...

— Você vai me agradecer! — repetia, enquanto fazia a manobra para estacionar o carro — Não é nada de outro mundo, Catarina. Só uma coisinha para você distrair a cabeça, não tem que ficar tão preocupada.

— Eu nunca fiz participação em nenhum vídeo clipe antes.

— Mas você não vê esses clipes por aí? Não precisa nem falar. Só precisa aparecer, mostrar sua carinha bonita, fazer umas poses, beijar o seu par romântico, depois fingir que discute com ele, depois voltar com ele e dar um final feliz. Pronto! Sem estresse.

Eu a encarei, prendendo o riso. Às vezes esquecia o quão "moderna" a minha mãe conseguia ser. Ela entregou uns papeis a um dos seguranças, que cochichou algo pelo rádio antes de nos deixar passar. Era de fato um setting de filmagens. Aparentemente, mais ao fundo, havia uma montagem de fotos, enquanto uma lona branca estava postada ao chão, rodeada por equipamentos de luz e fotografia. Coisas que eu reconhecia bem, e inclusive me bateu uma certa nostalgia no momento.

Já fazia muito tempo que não posava de frente para uma câmera que não fosse a do meu celular. Talvez não devesse ter rejeitado tantos trabalhos quando recebi. E muito possivelmente eu possa ter prejudicado um pouco minha carreira por conta dessas rejeições. Mas não poderia ser diferente naquele momento. Infelizmente, o corpo não se sentia disposto às câmeras. E creio que foi um dos únicos momentos em que o meu corpo concordou com a minha mente. Eles precisavam de um tempo para absorver aquilo tudo. Uma pena ter durado tanto.

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