Mentira é uma coisa perigosa. Mais perigosa do que qualquer pessoa na verdade possa ter noção, porque é como dar laços e mais laços para algo que no final das contas se prende em nós cegos daqueles que você passa horas tentando desatar. Você começa com as unhas, depois apela para os dentes, aí tenta torcer a corda, virar do avesso, pisar em cima, jogar na parede, colocar no micro-ondas e sabe lá onde a criatividade para. Porque você inicialmente fica aficionado em uma ideia de que está fazendo aquilo por algum motivo.
"É para proteger".
"É para não machucar".
"É uma coisinha de nada".
"É para o seu bem".
Eu posso estar sendo bem hipócrita agora, diante da situação imbecil em que me coloquei nesses últimos anos. Mas já sabemos o que acontece comigo em relação a seguir meus próprios conselhos. Eles são ótimos. Mesmo. Meu problema é em segui-los. Mas o tempo passa, a gente aprende. E é aquilo que dizem sobre persistir no erro. E por já ter passado pela mesma situação, você até tenta entender. Tu tenta pensar nos motivos, tenta entender o lado da pessoa, o que pode ter se passado na cabeça dela, mas tem horas que tua cabeça explode. Porque pelo amor de Deus, não tem explicação. Não tem sentido nenhum.
Que tipo de bem você tira em esconder algo que pode mudar a vida de alguém?
— Você não tinha nada que ter ido atrás dessas coisas, Alice! Não é assunto seu.
Minha mãe gritava dentro do quarto. Para variar.
— Não é assunto meu? — ri um tanto baixo, mais irônica do que achava que podia — Sabe o que não deveria ser assunto meu? — encarei-a enquanto meu pai tentava acalmar os ânimos no fundo, mas logo levei meus olhos em direção a ele — Ter um pai que prefere esconder das filhas uma doença séria, achando que isso pode servir de algum tipo de proteção. — grunhi — Ter um pai que agora pode morrer por conta disso, porque quando essa mesma doença voltou, ele não falou nada, por causa de orgulho machista idiota em não ter que admitir que sente dor o tempo todo.
— Alice...
— Porque "homem não pode sentir dor", não é? — continuava a rir — Homem tem que ser saudável que nem um cavalo. Homem não pode se dar ao luxo de adoecer. Cura gripe com cachaça e ressaca com trabalho.
— Alice, olha como você fala com seu pai! — aumentou o tom de voz.
— O que não deveria ser assunto meu, é ter um pai que prefere fingir que não sente nada, e ter uma mãe que encoberta isso! — agora desviei os olhos para ela — Que preferiu criar as duas filhas no escuro, sem saber de nada, porque "era melhor assim", enquanto sabia que ele ia definhando aos poucos. E se o pior acontecesse, colocaria culpa no destino. — trinquei os dentes — Porque a imagem é sempre mais importante, e ninguém poderia saber que tem um marido doente. Porque prefere fingir que está tudo bem do que lidar com a paranoia de que alguém olharia diferente por isso. — bufei — Isso é que não deveria ser assunto meu!
— Alice... — Aline murmurou.
— Porque o que não mata, torna mais forte. — agora era eu quem estava gritando — NÃO É?
— Ali, calma... — Angélica sussurrou.
— Sabe o que vocês não pararam para se perguntar? — encarei os dois agora — E QUANDO MATA? — gritei novamente — FAZ O QUÊ, DEPOIS?
— Alice! — Angélica falou mais firme, pondo a mão no meu ombro, e eu tentei relaxar o mesmo, mas não dava — Se acalma, isso não vai ajudar em nada.
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Consequências
RomanceEu a olhava como se de alguma forma conseguisse absorvê-la e, enquanto a observava, lembrava de todo o passado que ambas trazíamos nos ombros. A encarava numa tentativa débil de decifrá-la, e me questionava como alguém tão pequena, de certa forma, c...