A noite me serviu uma dose de insônia, e eu acabei dando alguns goles na saudade de uma memória ou outra. Memórias que não deveriam voltar. Como comparações de momentos, beijos e toques. Por fim, me encontrava bêbada das emoções restantes. E não sabia o que fazer com elas, já que fluíam deliberadamente por dentro de mim, uma vez que eu já as havia renegado tanto. Era como se as lembranças no momento se juntassem para rir da minha cara, na tentativa débil de mostrar quem, de fato, "mandava".
Juliana, como sempre, dormia com o rosto afundado em meu pescoço, sem desconfiar de nada do que se passava aqui dentro. E então virava para o outro lado. E depois voltava, quando o corpo reclamava do frio. Quanto a isso eu não poderia culpa-la, já que só dormia com o ar condicionado no menor grau possível. Gostava da sensação do quarto parecer uma geleira. Detestava sentir calor. Externo, ao menos.
Ela estava insegura. Podia perceber isso pela forma como se apertava contra o meu corpo.
Minha mãe não achava uma boa ideia essa viagem. Disse que eu não tinha psicológico o suficiente para isso. Mas eu detestava que alguém tentasse me dizer algo sobre mim mesma, como o que eu sentia ou não sentia, podia ou não podia. Mesmo que fosse minha mãe. Eu já tinha idade suficiente para saber melhor de mim mesma do que qualquer um. Afinal de contas, já dizia Frida Kahlo: "eu sou o assunto que conheço melhor".
— Sei lá, Cat. Uma viagem com sua ex no meio? — Juliana me encarou, murcha — Você devia ter dito ontem, quando ligou, que Alice ia junto. Eu nem teria vindo.
— Deixa de besteira, Ju. Vai ter muita gente, e vai ser legal. Você disse que gostava de acampar. — roubei um dos sanduíches que minha mãe colocava no pote e ela quase grunhiu.
— É só um! — soltei uma risada baixa.
Ela terminava de preparar uns sanduíches naturais para levarmos na viagem. Misturava uma pasta de frango desfiado com cream cheese, rúcula, milho, tomate seco e mais algumas coisas que eu não conseguia identificar a olho nu, para então passar no pão de caixa e cortá-lo ao meio. E claro que ela tirava as bordas do pão. Bem coisa de mãe mesmo.
Às vezes me sentia sufocada por esse cuidado excessivo, mas não negava que sentia falta quando ela estava fora. Minha alimentação conseguia ser um lixo quando ela não estava por perto. E ela sabia disso também.
— Você sabe que ela tem razão, não sabe? — sussurrou, quando Juliana finalmente subiu para tomar banho, e eu a encarei — As probabilidades de sair alguma coisa errada nessa viagem, são bem altas. Tem certeza de estar fazendo a coisa certa?
— Mãe, eu nunca tenho certeza de nada. — revirei os olhos — Mas, sei lá, e se estivermos fazendo tempestade em copo d'água? É só um final de semana. Aliás, só uma noite, porque voltamos amanhã. O que pode dar errado?
Ela me encarou com a sobrancelha erguida, como se a resposta fosse óbvia. E, de fato, era.
— Eu só não quero que você se machuque.
Diego não mentiu quanto ao quesito pontualidade de Gabriel. Mas eu realmente não tinha acreditado porque Gabriel e pontualidade não eram coisas que combinavam muito bem. Mas a gente se engana, não é? Isso é fato.
Pouco antes das cinco da manhã, o interfone estava tocando e o porteiro avisou da van azul que se encontrava na frente do portão da garagem. Liberei a entrada deles, e pedi para que ele os mandasse subir, já que teria muita coisa para descer.
— Mas gata, o que é tudo isso? — Gabriel não poupou comentários sobre os potes de sanduíche empilhados em cima da bancada da cozinha.
— Minha mãe teve medo que nós morrêssemos morresse de fome. — dei com os ombros.
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Consequências
RomanceEu a olhava como se de alguma forma conseguisse absorvê-la e, enquanto a observava, lembrava de todo o passado que ambas trazíamos nos ombros. A encarava numa tentativa débil de decifrá-la, e me questionava como alguém tão pequena, de certa forma, c...