Tem momentos em que a vida cobra de ti uma atitude. Momentos em que você finalmente tem que decidir quem é você na sua própria história. Tem que escolher o tipo de protagonista que você se forma, se você é um herói, se você é um anti-herói, se é o vilão, a mocinha indefesa, ou até o coadjuvante, mas você tem que escolher. E sinceramente? Eu não me encaixo em nenhum deles. Ou me encaixo em todos.
Eu só queria fazer algum tipo de sentido. Nem que fosse para mim mesma. Mas parecia que até isso estava muito fora da minha realidade. Já tinha um tempo que eu não me reconhecia mais. E isso só se tornava cada vez mais gritante.
— Eu não sei se devia ter feito isso.
Andava de um lado para o outro no hospital, rodando em círculos, a ponto de afundar o chão. Angélica tinha a cabeça afundada em uma das cadeiras enquanto me acompanhava com os olhos.
— Tu tinha que fazer alguma coisa.
— Angel, isso pode ser uma faca de dois gumes.
— Como tudo na vida, Alice. — ela respirou fundo e eu me encolhi.
Mordi o lábio.
— Eu só estou com medo.
Ela suspirou mais uma vez, antes de me observar.
— Se tu tivesse me perguntado antes de inventar tudo isso, eu teria dito: "esquece carreira e vai atrás dela". — continuava me observando — Mas tu nem sequer fez questão da minha opinião.
— Angel...
— Eu não estou com raiva, Ali. De verdade. — suspirou — Tu já estava perdoada desde a primeira vez que falou sobre isso enquanto dormia. — voltou a olhar para frente — Mas Catarina não te perdoou. E ela tem toda razão, e tu sabe disso.
— Eu sei. — respirei fundo.
— E preferia ficar sentada sem fazer nada?
Voltei a olhar para a frente, me sentando na cadeira ao lado da dela. Respirei fundo, tentando acalmar meus nervos, mas logo em seguida vi que ela mexia no celular.
— Gabriel já falou alguma coisa? — mordi o lábio.
— Ele disse que estava voltando para casa agora.
— E aí? — engoli em seco, apertando meus olhos.
— Ela recebeu a carta.
Eu lembrava de cada letra, de cada palavra que estava ali, e minha tendinite ainda reclamava da quantidade de vezes que eu escrevi e reescrevi aquela carta, porque sempre a minha mente reclamava ou sentia falta de alguma coisa. Sempre precisava ser colocado algo a mais aqui, ou algo a mais ali. E se Angélica tivesse me deixado continuar com o papel na mão, eu possivelmente teria arranjado mais erros. Mas isso possivelmente era o meu inconsciente amedrontado de qual resposta poderia vir dali.
Eu não sabia se estava preparada para ler as palavras dela. Suas últimas palavras para mim ainda tinham marca registrada no meu peito, e eu não sei se aguentaria uma segunda dose daquilo. Mas ainda assim, eu enviei. Respirei fundo, deixei o medo sentadinho na cadeirinha do castigo e enviei a carta. Com o último pingo de coragem que me restava, como agora é possível atestar junto com as minhas pernas que bambeiam que nem gelatina. Eu era uma medrosa quando dizia respeito à Catarina. Mas, honrando o que eu mesma havia dito, eu deixaria que ela quebrasse meu coraçãozinho quantas vezes fossem necessárias.
Ele nunca deixaria de pertencer a ela. Não nesta vida. E, para quem acredita, possivelmente nem em outras.
— Como o senhor está?
— Já estive melhor, princesa. — ele me abriu um sorriso amarelo e eu fui me apoiar na beirada da cama para dar-lhe um beijo no rosto.
— O senhor nos deu um susto e tanto.
— É o meu dever fazer isso, desde o primeiro dia das bruxas de vocês.
— Mas não desse jeito, pai. — revirei os olhos.
— Alice, já falei para deixar seu pai descansar!
Nós dois nos viramos de repente ao ouvir a voz da mamãe na porta do quarto.
— Deixa a menina, Luciana.
— Boa tarde, senhor Cardoso. — ouvimos a porta mais uma vez e dessa vez nós quatro nos viramos — É... — o médico passeou os olhos por cada um de nós — Quem está como acompanhante?
— Eu! — mamãe e eu falamos na mesma hora, e nos entreolhamos em seguida.
— Qual das duas? — o médico uniu as sobrancelhas.
— Nós somos da família, doutor. Não pode falar na nossa frente?
Ele mordeu o lábio, olhando para as "mais novas" do quarto, meio hesitante por um segundo. E eu engoli em seco na mesma hora.
— Meninas, por que não vão ver com as enfermeiras se podem trocar as frutas da dieta do seu pai?
— Mãe... — revirei os olhos.
— Agora, Alice. — me olhou, falando meio firme, mas talvez por conta da situação em questão, amoleceu em seguida ao se dirigir à mim — Por favor.
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Consequências
RomanceEu a olhava como se de alguma forma conseguisse absorvê-la e, enquanto a observava, lembrava de todo o passado que ambas trazíamos nos ombros. A encarava numa tentativa débil de decifrá-la, e me questionava como alguém tão pequena, de certa forma, c...