Acho graça nessas voltas que a vida dá. Quase como se fosse um tabuleiro gigante de banco imobiliário, e em 30 min de jogo, você já foi para a prisão três vezes, está falido ou tudo o que tem está investido em todas as coisas erradas. É engraçado o fato de uma pessoa foder com a sua vida, depois agir como se nada tivesse acontecido. E, enquanto você tenta apagar todos os vestígios, seu corpo reage com a sensação de perda de um membro fantasma.
E é engraçado que eu tenha passado uma semana de desintoxicação dela, para agora ela simplesmente brotar na minha frente de novo. É quase como se tivesse algum diabrete escondido, achando divertido trancar uma alcoólatra em recuperação, junto a um bom vinho do porto envelhecido.
Virei o rosto na direção da minha mãe, que me encarou com o olhar assustado. Ela não poderia ter de fato planejado aquilo, poderia? Ou será que sim? Sua expressão ao menos indicava surpresa. Mas eu lembrava perfeitamente dela ter brilhado sob alguns holofotes, na adolescência.
— ALICE, ANGÉLICA!
O grito veio de trás de onde elas estavam, e todos olhamos em direção a um garoto magricela que corria em direção à elas. Tinha um instrumento pendurado nas costas, que o fazia parecer ainda menor. Não conseguia ver direito pela distância, mas aparentemente era um baixo.
— Calma menino, vai tirar o pai da forca? Respire. O que foi? — Alice nos deu as costas, virando na direção dele.
— Fernando está uma fera, porque não está achando as partituras da música nova. — ofegava enquanto falava — Ele está chamando vocês. Tipo, agora!
— A gente não deixou lá ontem? — Angélica olhou de relance para Alice.
— Deixaram, mas o tecladista desapareceu junto com elas desde manhã, e precisamos gravar a faixa do baixo e da bateria, tipo, agora.
Pensei rápido antes que ela se virasse novamente, e fui para trás da minha mãe, virando-a de costas para elas.
"Finge que está ajeitando minha roupa", sussurrei e ela levou alguns segundos para entender, mas logo colocou em prática seu curso de teatro.
— Eita, mas... — pude ouvir a voz dela a seguir.
— Não, podem ir. — Juan falou — Nós resolvemos isso aqui depois, nos encontraremos para almoçar todos juntos. Naquele restaurante!
— Tu não ia falar com a gente?
Aproveitei o escudo da minha mãe e a distração na conversa deles, para me afastar o suficiente ao ponto de me esconder atrás de uma pilastra próxima a nós, fugindo da vista de todos.
— Não, era só para apresentar... — ouvi a voz de Juan se perder no ar — Ué, cadê?
— Ela foi ao banheiro. — minha mãe manteve o papel, apesar de não ter sido avisada do meu plano. Nessas horas eu agradecia por Alice nunca tê-la conhecido. Ela era uma atriz melhor do que eu pensava. Talvez devesse começar a observar e avaliar melhor as coisas que ela me falava às vezes.
— Enfim, depois vocês se conhecem, vão ter muito tempo. — ele falou — Vão. Vocês conhecem o temperamento de Fernando.
— Tá bom, Ju. Até depois!
Observei quando Alice falou quase por sob o ombro, enquanto se apressava, já que o garoto a puxava pela mão.
— Prazer, viu? — Angélica gritou atrás, seguindo Alice.
— Prazer! — ouvi minha mãe gritar, e logo depois virou o rosto na minha direção, que a encarava da lateral da pilastra.
Podia sentir minha respiração oscilar enquanto a soltava em um suspiro.
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Consequências
RomanceEu a olhava como se de alguma forma conseguisse absorvê-la e, enquanto a observava, lembrava de todo o passado que ambas trazíamos nos ombros. A encarava numa tentativa débil de decifrá-la, e me questionava como alguém tão pequena, de certa forma, c...