É claro que eu conhecia a voz. E haveria como desconhecer, diante de tantas reações distintas que já me causou? Eu virei o corpo lentamente para encará-la e Alice me observava com um leve sorriso no canto dos lábios. Os olhos pareciam um pouco pesados, talvez pelo sono, ou pelo álcool. Mas sua voz ainda se arrastava um pouco, então eu apostava mais na segunda opção.
— O que está fazendo acordada? — fui a primeira a falar — Você parece bem cansada.
Ela entortou os lábios um pouco, virando um pouco a cabeça de lado.
— Eu poderia perguntar a mesma coisa para você. — sorriu novamente — Para onde está fugindo de fininho?
Ergui uma das sobrancelhas.
— Não estava fugindo de nada. Eu só perdi o sono.
Ela uniu as sobrancelhas, como se não acreditasse nem um pouco no que dizia, mas manteve a boca fechada. Ao menos por enquanto.
— Toma!
Ouvi sua voz, e uni as sobrancelhas, observando sua mão estendida. Segurava algum tipo de flor na minha direção. Era uma flor pequena, de caule maior da cor verde, e as pétalas eram longas, finas e estiradas, tendo as flores brancas na ponta.
— O que é isso? — segurei a flor pelo caule, com cuidado, levemente levando meus dedos curiosos às pétalas brancas que cobriam o miolo da mesma, sentindo a maciez das mesmas acariciarem as pontas dos meus dedos.
— Nunca viu um dente-de-leão antes?
Uni as sobrancelhas.
— Os que já havia visto, não eram parecidos.
— Onde você viu?
Mordi o lábio, porque não queria dar essa resposta. Mas ri baixinho, já sabendo o que ela diria a seguir, depois que eu respondesse:
— Na TV.
Mas ela só continuou me observando. Encarando, na verdade.Mantinha um leve sorriso no canto dos lábios, enquanto me encarava. O que já estava me assustando.
— Por que está me olhando assim?
Ela deu com os ombros.
— Porque você é linda.
Não consegui conter a risada, ainda que tentasse mantê-la baixa para não acordar ninguém.
— Vai dormir Alice, que você está bêbada.
— Talvez só um pouquinho. — ela deu com os ombros, fazendo careta de novo — Mas não deixa de ser verdade. — mordeu o lábio, e depois indicou com o queixo para a flor apoiada em minha mão — Lá no interior da minha cidade, contavam uma lenda de que essa florzinha é atemporal. — falou, enquanto me observava — E quando a gente faz um pedido e sopra, as sementes podem viajar através do tempo. Para o passado, para o futuro, ou até mil anos-luz de onde a gente está agora. E que o nosso pedido vai ser acompanhado pelo destino até que se realize.
— Você acredita mesmo nisso?
Ela deu com os ombros.
— Também contavam lendas sobre mulas sem cabeça, e sereias em rios.
Ri um tanto baixo.
— Agora eu entendi.
Mas ela mordeu o lábio, enquanto me encarava.
— Faz um pedido!
Ergui uma das sobrancelhas.
— Você acabou de me dizer que não acreditava.
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Consequências
RomanceEu a olhava como se de alguma forma conseguisse absorvê-la e, enquanto a observava, lembrava de todo o passado que ambas trazíamos nos ombros. A encarava numa tentativa débil de decifrá-la, e me questionava como alguém tão pequena, de certa forma, c...