Uma mão sangrando. Um buraco no peito. E um coração estacado numa faca presa à parede. Em seguida saí, serena. Sem olhar para trás. O bilhete dizia: haja o que houver, eu continuarei sentindo intensamente. Porque fui feita assim. Mas meu coração jamais pertencerá, ou se deixará pertencer, a mais nada, nem ninguém. Muito menos a um par de olhos como aqueles.
Quer saber?
Eu a perdoo. De verdade.
E perdoo a mim mesma.
Não a culpo. Não culpo por nada.
Não me culpo também.
Não há culpa, não existe culpa.
Minha primeira namoradinha, anos atrás, um dia me disse que eu era covarde. Por ser do tipo que fugia. E nunca me esqueci disso. Doeu muito e eu nunca entendi o motivo dela haver me dito isso. Hoje posso ver que aquilo ficou tão intrínseco dentro de mim, que atualmente, eu permaneço até o furacão me engolir. E quando ele me engole, eu voo. Para o mais longe possível.
Eu permaneço e entrego até a minha última gota de sangue, e então venho a me apagar. E morro.
Mas como toda morte é uma transformação, quando eu retorno, já me encontro com feridas em diferentes fases de cicatrização, mas já sou uma pessoa mais evoluída do que a anterior, mais forte e de consciência limpa por fazer tudo o que estava ao meu alcance. E sinceramente? Ela não tirou nada de mim. Só fez com que ressurgisse minha luz mais pura.
Eu me apaguei para acendê-la. E no processo, me perdi. De novo. Porque não se pode fazer nada apagado. Mas quando eu a soltei, senti como se estivesse sozinha no escuro. E foi apavorante. Mas foi bom. Porque me fez perceber que eu brilho muito mais quando estou só. Eu era uma coisa. Apenas. Como qualquer outra. E ela me fez aprender que para quem não sabe o que quer, qualquer coisa serve. Para quem não sabe onde vai, qualquer lugar está bom. E já era hora de deixar que ela parasse de nos rolar à beira do precipício. Dessa vez, ela cai sozinha.
— Como estás? — ouvi a voz de Martín ressoar pelo espaço pequeno no carro.
Respirei fundo, apertando meus olhos por alguns segundos.
— Viva.
Ele me encarou meio de lado, e eu o encarei pelo retrovisor em seguida. Mas logo voltei a fechar os olhos.
Por enquanto a única coisa que existia aqui, era o vazio. Extremamente intenso e profundo, e dentro dele há tudo; tudo aquilo que me foi sugado da alma de alguma forma, me deixando depois largada como uma qualquer. Está tudo lá dentro, em um abismo colossal que forma um dos furacões mais impetuosos que uma mente poderia conceber. Fica ali à espreita, como um felino; um tigre, um leão, uma pantera ou qualquer outro, esperando o momento certo de encurralar, colocar as garras para fora, voar na jugular e rasgar a carne.
Eu fico aqui vivenciando a lei das ovelhas, mas internamente os meus lobos canibalizam-se entre si. Aparentemente, me destruo para viver, e sobrevivo para destruir. As pessoas ao meu redor são como grãos de areia jogados ao vento, eu nunca sei dizer quando se vão, e podem ir a qualquer momento, com qualquer brisa leve. E eu nunca sei por onde começar. Ou terminar.
Nesse momento, a vida me aparece como uma grande empreiteira, e, ou eu não soube cativá-la direito, ou não tinha dinheiro o suficiente.
— Ainda hay tiempo. — ouvi sua voz ecoar novamente e, mais uma vez, o encarei pelo retrovisor.
— Você prometeu.
— Sí, pero... — ele mordeu o lábio. — Não vou dejar-te sozinha. — falou emplumado em sotaque.
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Consequências
RomanceEu a olhava como se de alguma forma conseguisse absorvê-la e, enquanto a observava, lembrava de todo o passado que ambas trazíamos nos ombros. A encarava numa tentativa débil de decifrá-la, e me questionava como alguém tão pequena, de certa forma, c...