2. Theo

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Com certeza aquele não era o melhor dia da minha vida.

É uma quarta-feira e eu acordei com uma baita resseca. Quem mandou você beber na noite anterior? Pergunto pra mim mesmo enquanto aperto as têmporas. Como se aquilo fosse adiantar alguma coisa.

Não sou de beber pra ficar de porre. Muito menos durante a semana. Fiz isso pra tentar amenizar a dor. A porra da dor que nunca me deixa. Eu e meu irmão mais novo, Saulo, crescemos numa família fodida. Nossos pais morreram num acidente de carro quando eu tinha 11 anos e meu irmão, 5. Ficamos com nosso avô materno. Fernando Prades. Era conhecido como o magnata da mineração. Suas empresas exploravam mineradoras do mundo todo e sua marca de joias era a mais conhecida e cara da América.

Depois da morte dos nossos pais, minha infância não foi feliz. Eu e Saulo tínhamos os pais mais fantásticos que uma criança poderia sonhar. Carinhosos. Presentes. Firmes. Amorosos. Minha mãe fugira com meu pai porque não aguentara a opressão do meu avô. Meu pai era um homem comum. Normal demais para o gosto do meu avô. Para os seus padrões, sua filha merecia o melhor e meu pai era apenas um bombeiro. O meu pai era um herói e foi sendo um herói que conheceu minha mãe. Eu e Saulo adorávamos quando eles nos contavam a história de amor deles. Meu avô cortou totalmente a minha mãe de sua vida. E a seus netos, por tabela.

A moça rica se apaixonou pelo homem pobre. Casaram-se e viveram felizes para sempre. Pena que o pra sempre deles foi tão curto. E sobramos eu e Saulo. Duas crianças que foram condenadas a viver com o austero e frio Fernando Prades. Logo num primeiro contato com meu avô, soube do que minha mãe fugira. E isso aconteceu no velório dos meus pais. Ele não chorou. Não havia um pingo de dor em seus olhos, muito menos amor. Ele nos olhava com indiferença. Como se fôssemos uma carga que ele precisaria carregar dali por diante. Ele nunca nos escondeu sua vergonha pela filha.

Meu único pensamento era fugir dali. E foi o que fiz quando completei 17 anos. Meu avô queria que eu cursasse administração para continuar seu legado nas Indústrias de Mineração Fernando Prades. Assim eu fiz. Cursei o que ele queria e o fiz com louvor. Em três anos eu me formei. Paguei matéria por ano mais que meus colegas. Aos 20 anos me formei em administração.

- Você é um verdadeiro Prades, Theodoro. - ele dizia e aquilo me causava náusea, pois não eram palavras amorosas, eram palavras cheias de arrogância e soberba.

Meu avô disse que eu precisava fazer uma pós graduação. Mas eu tinha outros planos. Estudei incansavelmente. Meu avô pagou tudo, claro, sem saber das minhas pretensões. No dia marcado, saí de São Paulo rumo a minha carta de alforria. Meu destino era Brasília. Instituto Rio Branco. Eu estava determinado a prestar vestibular numa das instituições mais difíceis do país. Eu queria ser um diplomata. Então eu poderia viver feliz. Viver longe do meu avô era o primeiro passo para uma vida feliz. Isso eu pensava.

Com 21 anos consegui entrar no Instituto Rio Branco. Para desgosto do meu avô. Ele me disse que se eu permanecesse nesse curso, esquecesse dele. Então ele me deixou à própria sorte. Saulo ainda tinha 15 anos. Meu intuito não era abandonar meu irmão, mas meu avô proibiu as visitas. Procurei por ele, mas nossa comunicação foi cortada. Parecia que nossos laços também.

Todo o meu tempo era com o nariz enfiado nos livros. Fiz todos os cursos possíveis, além dos da grade curricular. Idiomas. Prática consular. Política. Então aos 25 anos era diplomata. Mas não poderia ainda agir como um diplomata, afinal, não tinha a idade exigida. Comecei a trabalhar no Itamaraty. Todos gostavam do meu trabalho. Eu sempre fui esforçado. Aos 35 anos consegui minha primeira embaixada. Eu estava exultante. Apesar de jovem, passei na frente de muitos concorrentes. Estava de malas prontas para Buenos Aires.

Casamento por amor? - FINALIZADOOnde histórias criam vida. Descubra agora