30|| Negociável

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Acordei com os primeiros raios da manhã invadindo as janelas. Apertei bem os olhos e percebi que havia dormido no sofá a noite toda. Me sento no sofá, e esfrego os meus olhos, e então ao olhar para frente e perceber que John permanecia ali sentado na poltrona sem fazer o mínimo ruído, dou grito de susto e coloco as mãos no peito. "O que..? O que está fazendo sentado ai, cacete?! Quase me matou de susto, homem!", ele não diz nada, apenas continua a olhar para mim. "Há quanto tempo você está ai?!", ele da de ombros. "Há algum tempo.", sua voz está mais profunda do que de costume, e ele cheirava a uísque. "Você passou a noite bebendo?", ele passa as mãos no cabelo. "Sim. E dai?", levanto do sofá. "Uau. Para alguém que quer me manter segura, você é bem negligente.", digo passando por ele, que segura meu pulso. "Solta meu pulso, John!", tento me soltar de seu aperto. "Para com isso. Me solta!", digo mais uma vez puxando meu pulso, e ele me puxa para seu colo. "Para de ser tão arisca e fica quieta.", continuo lutando para sair de seu abraço. "Se você não me soltar, vou morder você!", ele ri e me solta. "Idiota!  Acha que pode me deixar passar a noite inteira sozinha, para ficar bebendo até de manhã com seus amigos do trabalho?", aponto o dedo para ele. "Na verdade, acho.", ele diz um pouco grogue. "Ótimo que você ache isso! Então, não há problema algum em eu sair para caminhar agora né?!", me afasto dele, indo em direção a porta, pego meu casaco no cabideiro perto dela, e vejo se minha carteira ainda estava lá. Estava. Vesti o casaco, e abri a porta olhando para John, que agora estava de pé encostado na poltrona. "Aonde você acha que vai, Marie?", ele me pergunta. "Sair", fecho a porta com um baque seco atrás de mim, e saio a passos largos. "Marie? Marie! Puta que pariu! Volta aqui!", não olho para trás e continuo a me afastar, só olho para trás quando ja estou longe o suficiente da casa. Respiro fundo. Inferno de homem!  Acha que só porque ele é do tamanho que é que pode me tratar como ele quiser! Passou a porra da noite inteira fora, e age como se fosse normal... Marie, mas é normal. Ele não é seu namorado... Que ótimo! Eu fiz uma cena por causa de um cara que nem ao menos namoro. Ótimo. Na verdade,  maravilhoso!

Ajeito mais o casaco ao redor do corpo e cruzo os braços, enquanto caminhava. Fazia frio essa manhã,  apesar de estar bem claro, deveria ser pouco mais que 07h40. Algumas pessoas saiam de suas casas, para o trabalho, ou para caminhar. Não  como eu que estava querendo ficar o mais longe possível de John. Ou pelo menos até estar menos irritada com ele. Caminhei até estar no centro do bairro. Ainda estava um pouco vazio, mas já podia se ver movimentação de carros. Passei pela biblioteca pública, onde mais a frente achei uma cafeteria. E foi nela que eu entrei e fui me sentar na última mesa aos fundos, do lado da grande janela de vidro transparente. Sinalizei para a atendente me trazer café,  e minutos depois ela estava enchendo minha xícara. Pedi alguns bagles doces com geleia. E fiquei ali, sentada olhando o movimento do lado de fora ir aumentando gradativamente. Depois que a garçonete me trouxe o que eu havia pedido, eu comi um pedaço e respirei fundo. Ok. Talvez eu tenha exagerado na minha reação. Provavelmente ele teve um dia difícil no trabalho e acabou perdendo a hora com os amigos no bar. Mas ele voltou para casa. E não me devia satisfação alguma. Tomei meu café da manhã, tranquila e quando terminei paguei a moça deixando uma boa gorjeta, e sai. Agora eu estava encrencada. Como não andei muito pela redondeza,  não conhecia o bairro suficiente.  Logo... Como eu voltava para casa?
Fui fazendo o caminho de volta até a biblioteca pública, que era onde eu lembrava. Quando estava na frente do prédio olhei para os lados, e tentei lembrar o caminho que tinha feito de bicicleta dias atrás.  Decidi seguir na rua reto, na encruzilhada. Algumas flores de cereja cobriam o chão, dando um toque todo charmoso a rua. Era o começo da rua, não era a da casa de John, mas sei que por ela, conseguiria chegar lá. Quando achei a rua que achava que era a da casa, comecei a ficar apreensiva. As árvores com suas folhas, deixavam a rua um tanto fantasmagórica, e apesar de ser dia, o sol de antes, agora estava coberto por algumas nuvens cinzas. Droga! Iria chover de novo, e não estava com cara que iria demorar. Comecei a andar mais rápido com medo da chuva que ameaçava cair me ensopar toda. Não sei se sou apenas eu, ou se todas as pessoas se sentem assim, mas, toda vez que eu me via caminhando em ruas desertas, ou sei la, calmas demais, eu tinha a impressão de estar em perigo. Como se alguém estivesse me perseguindo. Me lembro muito bem, de uma vez que me perdi em uma rua em Livingston, porque fiquei tão paranóica com isso, que errei a rua. Olhei para trás porque tive a impressão de ter ouvido passos. Não vi ninguém, então continuei a caminhar. Quando virei a esquina  no final da rua, reconheci a caminhote estacionada na rua, e respirei fundo aliviada. Por algum motivo, olhei novamente para trás e vi uma pessoa de boné, com o capuz cinza do moletom que ele vestia, por cima. Me senti agitada, e apressei mais os passos. Respira, Marie. Não é nada. É só alguém caminhando. Olhei novamente para trás,  e a pessoa não estava mais lá. Quando me virei para frente dei de cara com Julian, e dei um grito, que fez com que os pássaros das árvores, baterem em retirada do topo delas. "Jesus Cristo, Julian! Quer me matar?", ele levanta as mãos para cima. "Me desculpe. Eu não queria te assustar.", ele sorri sem graça. "O que você faz acordada tão cedo?", diz caminhando na calçada ao meu lado. "Anh... ah... Fui dar uma volta pelo quarteirão.", dou de ombros. "John sabe disso?", confirmo que sim. "Eu queria me desculpar com você por ontem, Marie. Fui bem estúpido com você, e me sinto mal por isso. Sinto muito, de verdade.", sorrio sem mostrar os dentes, e concordo com a cabeça. Caminhamos em silêncio até a porta da casa. "Vou nessa, Marie. A gente se vê por ai.", assisto ele atravessar o quintal e entrar em sua casa, respiro fundo e abro a porta. John estava sentando na poltrona, ao lado do sofá com uma das mãos na testa.  Ele havia tomado banho e trocado de roupas. E seu perfume tinha enebriado a sala inteira. Ele olha para mim, e suspira fundo, mas não diz nada. Fecho a porta  penduro meu casaco no cabideiro, e sento no sofá. "Ei...", digo com a voz suave. Eu tinha que pisar em ovos com ele. Seu temperamento era muito instável quando bebia. "Eu sei que eu fiz uma cena à toa... Até porque você não me deve satisfação nenhuma...", ele levanta a mão me pedindo pra parar de falar. "Onde você foi? Eu rodei o quarteirão e não te encontrei...", me mexo no sofá e ajeito uma mecha de cabelo atrás da orelha. "Fui naquela cafeteria perto da biblioteca pública. Me desculpa.", ele balança a cabeça. "Pare de se desculpar.", ele se levanta da poltrona. "Fiz...fiz café e sanduíche de manteiga de amendoim e geleia.", diz pegando o casaco verde musgo. "Você já vai?", ele faz que sim. "Sim. Preciso... Cancelar minhas passagens...", levanto do sofá. "Do que você está falando? Você não vai voltar comigo para Montana?", ele faz que não com a cabeça. "Por que?", ele respira fundo. "Eu fui reiterado na corporação. O caso é meu.", olho para ele sem entender. "Mas você não precisava começar o acompanhamento psicológico para...", ele enfia as mãos nos bolsos,  e eu acabo entendendo tudo. Ele foi procurar acompanhamento para poder trabalhar do jeito que queria no caso. "Fico feliz que você tenho procurado ajuda, John.", digo um tanto magoada. "Não fica assim, Marie. Me desculpa.", aperto meus lábios concordando. "Não, tudo bem. É o seu trabalho. Eu sou só uma amiga. Nem sei porque estou chateada.  Imaginava que isso podia acontecer.", ele segura minha mão. "Eu não estou te mandando embora,  Annie. Aliás, foi por isso que passei a noite fora. Não sabia como te contar isso. Mas, você pode ficar se quiser.", abaixo a cabeça,  mas ele levanta com o indicador.", "Eu não quero que vá. Te quero aqui. Mas se ficar, vai ter que me obedecer", me afasto dele. "Eu não gosto desse seu tom. Não sou criança.", ele revira os olhos. "Não é por causa disso, Annie. Estou tentando te manter segura. Então você precisa me ouvir, pela graça de Deus!", cruzo os braços. "Negociável?",pergunto e ele mexe a cabeça como se estivesse pensando no assunto. "Depende.", ele diz. "Vamos fazer o seguinte. Vou pensar sobre isso. E se eu optar por ficar, vou fazer uma lista do que eu gostaria de ter a liberdade de poder fazer.", ele concorda. "Vou nessa. Por favor, cuidado ao andar pelo bairro. E pare de dar atenção a Julian!", ele beija minha testa. "Eu não vou passar o dia todo fora, acho que consigo almoçar com você hoje, ok?!", sorrio. "Te vejo mais tarde.", ele diz e some porta a fora. E eu me jogo no sofá. 

Eu deveria ir para Montana ou ficar em Connecticut?

DEAR MARIE [JM] 1Onde histórias criam vida. Descubra agora