Capítulo 1 (parte final)

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Apesar do tempo nublado em Graz, a praça Jakomini fervilhava como sempre, pessoas indo e vindo dos bondes, lotando vitrines e cafés com seu fluxo desordenado. O mercado ficava a poucos passos dali. Resmungou ao se deparar com a porta metálica do comércio fechada. Se não tivesse se distraído conversando idiotices com Gerhard... A chuva respingava em seu rosto quando decidiu dar a volta rumo a uma marquise. De repente, um vulto bloqueou seu caminho: era um cão enorme.

Subiu na mureta da loja fechada, tentando não demonstrar medo do animal que latia e pulava, mirando sua garganta. Empunhou o guarda-chuva para se defender, até que alguém assobiou:

—Rinty, aqui! —O cão parou de rosnar, se virou e arrastou a guia solta pelo chão até o dono. Alois baixou o guarda-chuva, reconhecendo-o: — Herman?

O homem abaixado ergueu o rosto, praticamente o mesmo que trazia de seus dias de esquadrilha, exceto pela cicatriz e pelo tapa-olho que usava por debaixo dos óculos: —Olha só, é você mesmo! —Ele era baixo, mas parecia ainda menor metido naquele sobretudo escuro.

O colega veio estendendo a mão para cumprimentá-lo, mas Alois não conseguia tirar os olhos do cachorro. Ele riu, afagando as orelhas do animal agora sentado: —Desculpe o susto. Ele é tão bem treinado, nunca ataca sem que eu mande. Não sei o que deu nele.

Ainda se recuperava do susto, quando Herman sorriu: —Então, seu atirador maluco, o que faz por aqui? Não me diga que ainda está na ativa?

Coçou a nuca, rindo sem graça: —Ah, não exatamente. Acho que não tem mais espaço para nenhum de nós hoje em dia.

—Aí é que você se engana! Acabo de voltar da Alemanha, você deveria ver... — Não gostava do rumo daquela conversa. Herman pareceu ter percebido, pois mudou rapidamente de assunto: —É aniversário do meu filho amanhã — E mostrou o grande pacote debaixo do braço. Estava embrulhado em papel colorido, então só restou a Alois adivinhar:

—Ah, é um avião de brinquedo?

—Não! É um trenzinho — riu: — Ele adora trens! A gente tem que comprar o que eles gostam, não é?

Concordou, imaginando que mulher desesperada teria se casado com tal sujeito e ainda por cima aceitado ter um filho com ele. Então se lembrou do jantar que Otto não teria e desabafou: —O açougue fechou mais cedo do que eu esperava. Acho que vou ter de me contentar com frango ou algo assim.

—Mas isso não é problema. — Ele bateu na porta metálica, chamando o açougueiro pelo nome.

Alois o olhava apreensivo. Pelo que se lembrava, Herman nunca tinha tido muito bom-senso. Já pensava em se desculpar e sair dali, quando minutos depois, o homem apareceu e abriu a porta para eles. O ex-piloto explicou a situação e ele simplesmente acatou seu pedido, o atendendo com todo o cuidado, sem demonstrar qualquer aborrecimento. "Pelo visto, o julguei mal", pensou. Pagou a carne e ao saírem, a chuva fina que caía já havia piorado. Se virou para ele, agradecendo.

―Não foi nada; gosto de ajudar os amigos. E se eu posso, por que não?

―Sim, claro. Vocês são...

―Amigos? Não, não. ―ele disse.

Ficou sem entender, até ele abrir um pouco o sobretudo, revelando um emblema da polícia: —"Uma mão lava a outra", não é?

Alois emudeceu, sem saber se o agradecia ou se rezava para nunca mais vê-lo. Olhava apreensivo para a praça, quando ele perguntou:

—Onde está morando? Não se soube mais de você ou do Mark depois daquela batalha. Ele quebrou o braço, não foi?

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