Os dias que Ludwig passou com os Zoller foram cheios de hostilidades, mas também de aprendizados diversos, dentre eles, o melhor jeito de se esconder uma faca dentro de um gesso e como espalhar brinquedos pelo quarto de modo que seja impossível alguém entrar na calada da noite sem fazer barulho. Orgulhava-se do modo como aplicara aqueles truques, tão inteligente quanto o Dick Tracy. Mesmo assim, ainda restavam preocupações:
—Acho que o Lothar adoraria ver o lago de perto! — Lisle sugeriu encarando-o do outro lado da mesa.
Arrepiou-se com a resposta do pai delas: —Ótima ideia. Está na hora dele se familiarizar com a região.
Esperava que a senhora Zoller os contrariasse por ele estar com o braço quebrado. Ao invés disso, ela respondeu: —Tudo bem, só não vão naquele celeiro! Está caindo aos pedaços. Já está na hora de você dar um jeito naquela velharia, Klaus...
O Sr. Zoller baixou a xícara: —Não vejo por que tanto aborrecimento por uma coisa que...
—Terminem o café, crianças. Eu vou à Igreja.
O homem se apressou em acompanhá-la e Ludwig se viu só com as três meninas, mais a bebê. Lisle lhe estendeu a mão: —Vem, irmãozinho!
Se afastou, procurando auxílio; Herta tinha desaparecido para a cozinha. Monika, a irmã do meio, se posicionou: — Deixa ele em paz, Lisle!
— Quer brincar de festa do chá com a gente, Lothar? —A mais nova perguntou.
Aceitou depressa, mas a garota com alma de Krampus o puxou pela mão:
—Essa brincadeira é pra meninas! — Resistia, mas ela era bem mais forte.
Felizmente, as outras duas o libertaram. Correu com elas para a sala, enquanto Lisle saía, empurrando Herta. Estava a salvo, por enquanto.
Sentaram-se frente a casa de bonecas, Monika combinando: —Ludwig é o pai, eu sou a mãe e a Sofia pode ser a filha. A Diedra pode ser a bebê.
Ludwig franziu a testa: — Mas ela é uma bebê.
Riram, vendo-a babar no cercadinho. Faziam de conta que comiam biscoitos e tomavam chá. Ela ergueu a pequena xícara de brinquedo: —Querido, como foi a reunião no Partido?
—Onde?
—No Partido, ora. É onde você trabalha.
A irmã a corrigiu: —Não, ele trabalha no campo agora. Nosso pai é o comandante, mas está de folga.
— Que campo? ― perguntou, confuso.
—É para onde levam "gente ruim". Eles ficam presos lá, pra não nos fazerem mal. Papai vai lá para se certificar de que está tudo funcionando como na Alemanha. Ele é um homem muito importante.
Ludwig se levantou, declarando: —Eu odeio a Alemanha! Os alemães são um bando de porcos!
Elas o olharam perplexas: —Do que está falando? A Alemanha é o nosso lar! Você tem que gostar daqui!
Ia retrucar, quando se lembrou de que Lisle continuava à solta por ali. Sentou-se: —Está bem, mas posso escolher onde eu trabalho, pelo menos?
—E onde você quer trabalhar?
—Vamos brincar que eu sou um piloto que voltava da guerra, e...
—Estava machucado! — Sofia apontou seu braço na tipoia.
Ludwig continuou: —É, mas nem tanto, porque antes eu matei muitos inimigos com a minha metralhadora. E eu voei, e derrubei muitos aviões e salvei um pelotão inteiro de morrer asfixiado com gás venenoso e levei um tiro no braço! — disse, pensando nas histórias do tio. Se dependesse delas, teriam meses de brincadeiras.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...