"Areecee que táaa moortoo..."
"Ãoo mexe com eelee..."
Ouvia vozes difusas ao redor. Entreabriu os lábios, murmurando. Seu pobre menino sendo arrastado para longe dele...
—Ludwig! —Se levantou de súbito, sentado num dos vários beliches espremidos ali. Suas costas ardiam como o inferno e uma dezena de olhos assustados o encaravam dentro da pequena cabana. Todos tinham o mesmo triângulo rosa, igual ao dele.
—Ele acordou! — Um rapazinho gritou no fundo e outro rapaz, tão franzino quanto o primeiro, abriu caminho a cotoveladas.
—Calem essas matracas! Por que não me chamaram logo? —O rosto magro e os olhos azuis quase cor de violeta transpareciam sua irritação. O rapaz levou a mão até seu queixo, mas Alois o repeliu.
—Calma, só quero te examinar. Você dormiu por horas! Pensávamos que fosse morrer...
Baixou a cabeça, tentando organizar os pensamentos. Lambeu os lábios ressecados. Pediu: —Água...
Minutos depois, retornaram com um pedaço de pão e uma caneca de metal pequena. Bebeu tudo num gole só, sentindo as partes meio enferrujadas da caneca lhe espetarem os lábios. Agradeceu.
O rapaz arregalou os olhos para o colchão, apontando a mancha de sangue nele. — Jesus! Não foi à toa que desmaiou! — Quis retirar-lhe a camisa, mas Alois hesitou. Ele se irritou, pondo as mãos no quadril: —Que desconfiado, hein?! Eu não mordo, bobinho...
Obedeceu, e ele desgrudando-a devagar dos ferimentos: —Nossa... foram quantas, 25? Parece mais...bem mais...
Não respondeu, apenas pegou o pão. Estava duro e seco... Clac! Cuspiu uma pedra do tamanho de uma moeda de 10 groschen.
―Ah, esqueci de avisar. Os guardas às vezes vão até a cozinha jogar pedras e areia na nossa comida. ―ele disse.
Continuou separando cada pedaço e examinando-o com atenção antes de levá-lo à boca. De tudo, aquele era o menor dos problemas.
O rapaz afetado voltou a encará-lo, desta vez trazendo consigo uma lata. Ele a abriu, revelando o pequeno kit de primeiros-socorros: algodão, um vidrinho com álcool, uma tesoura meio enferrujada, esparadrapos e gaze. Bem organizado, tinha que admitir.
—Uma belezinha, né? Algumas pessoas ainda têm bom coração. Não posso contar quem me deu, mas ajudei tanta gente com isso que perdi as contas! — Ele embebeu o algodão, encostando-o em sua pele. Fechou os olhos, urrando.
—Calma... — ele dizia, mas Alois se afastou. Precisava de um pouco de paz.
―Ainda bem que desinfetei isso antes de você acordar... Só queria me certificar.
Outro rapazinho deu uma risada escandalosa: ―Ela também deu uma boa olhada na sua bunda, sabia?
―Calada, sua biscate! —dizia ele, nervoso: —É mentira, tá? Aliás, você nem faz o meu tipo. ―ele acrescentou, erguendo o ombro com superioridade.
Alois o mirou perplexo, sem saber como responder. Já não sabia mais nada de nada.
O rapaz se levantou: ―Pode ficar descansando, mas precisa voltar lá pro pátio quando ouvir a sirene. Se não, eles virão aqui te buscar e não será nada bom. ― ele acrescentou antes de sair com os outros, praguejando quando pisaram em seu pé.
Procurou fazer como aconselhado, mas não tirou mais que alguns minutos de cochilo. O medo de não ouvir a sirene e guardas vingativos o cercarem o atormentava. Também não conseguia parar de pensar em Ludwig e Otto; estariam sendo tão maltratados quanto ele? Cada pensamento assim o atormentava. Era tudo única e exclusivamente sua culpa. Culpado de sua patética confiança em pensar que conseguiria enganar o desgraçado do Herman.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...