Capítulo 37

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Já estava acordado muito antes do amanhecer. Debruçara-se sobre a asa do Pietenpol, desenhando pequenos círculos na poeira. Era como se sua mente tivesse tirado férias em algum lugar distante, deixando-o para trás como uma casca vazia. Melhor assim. Odiaria quando aquilo tudo retornasse para assombrá-lo, pensou, ouvindo passos. Otto apareceu, emoldurado pela porta.

Ele se aproximou, a voz suave soando-lhe como um sinal de esperança: ―Sinto muito, Alois. Nunca pensei que chegaria um dia em que... ― Suspirou: ―Sei que não posso voltar atrás. Mesmo assim, peço que me perdoe.

"Então ele queria perdão é? Que pedisse a um padre", pensou. ―Se fosse só o soco, eu te perdoaria, mas as coisas que você me disse... acho que levará décadas até que eu consiga esquecer. ― Esperava o momento em que ele se ajoelharia, implorando sua volta.

Para seu desespero, ele se pôs a rir.

―Qual é a graça? ― perguntou, tentando parecer zangado.

―Nada, só pensei que já estivesse acostumado. Passei anos tolerando os seus chiliques. Não era você quem sempre vinha se desculpar, achando que isso conserta tudo?

Baixou os olhos enquanto ele falava e percebeu, mortificado, a mala ao lado dele. Cruzou os braços, respondendo antes que ele o magoasse de novo: ―Não tenho que pedir desculpas. Tudo o que eu fiz foi pensando...

―Tá, já acabou! Passou o tempo de recitar as suas justificativas. Não precisa mais fingir: Eu sou bom o bastante pra estar na cama com você, mas não sou pra viver do seu lado, com o Ludwig. Podemos pular essa parte.

Se levantou, protestando: ―Você seria bom, se não fosse pelo...

―Não fosse pelo quê? Hã? ― Otto perguntou, lançando aquele olhar tão terrível sobre si: ―O mundo, as pessoas? Essas coisas estão aí, sempre mudando, apesar de gente como você gostar tanto de se esconder atrás delas. Mas não se preocupe, não vai mais precisar dessas desculpas. Pelo menos, não comigo. ―A entonação na última parte fez Alois estremecer.

Diante do seu silêncio, ele continuou: ―Acho que devemos discutir os termos do nosso desquite. Como tudo que tínhamos foi levado pelos soldados, não sobrou muito pra mim nem pra você, a não ser a casa. Fique à vontade para retomá-la, pode ser que ainda consiga engambelar nossos vizinhos a te aceitarem de volta, você é bom nisso. —O companheiro suspirou, pegando o gato no colo: ―O Barão vem comigo. Já que o Ludwig nunca mais nos verá, não devemos dar motivos pra que ele suspeite que estivemos aqui.

Por que ele tinha que tornar tudo mais difícil, por quê? ―Por que está me dizendo tudo isso? Estou sofrendo tanto...

―Estou apenas dizendo as coisas como elas são. Já parou pra pensar no quanto o Ludwig vai sofrer se perguntando por que não fomos resgatá-lo? Quanto mais penso, mais me arrependo. ―Ele recolhia as mãos no paletó encardido.

Alois apenas desejava que ele as tirasse dali e o abraçasse, que se pusesse em seu lugar e entendesse o quanto ele também se sentia culpado. Infinitamente mais culpado, por ter sido o criador do palco que propiciou o desastre que haviam sido suas vidas naqueles últimos dias: ―A vida dele será bem mais fácil assim, eu tenho...

Certeza? É, quando fomos morar juntos, eu também tinha certeza de que nunca nos preocuparíamos com criança nenhuma e olha pra nós agora! Deus queira que você esteja certo. ―ele disse, pegando a mala.

Engoliu em seco. Dentro dele, uma coisa queria rugir de agonia. Conteve-se, murmurando entredentes: ―Você verá que eu estou certo, você vai...

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