Atrás do depósito, Klaudia e a Irmã lhes passaram o rolo de fita adesiva roubado do escritório, com as marcas das chaves. Alois colocou-o debaixo do boné. Yvette se abaixou na esteira da linha de montagem, surrupiando as placas de metal pra dentro do bolso. Fez o mesmo. Os kapos circulavam, sem perceber nada.
Enquanto todos comiam, se afastaram até a cabana. Guardaram tudo dentro da lata de Yvette. A colocaram debaixo de uma tábua solta e colocaram a beliche em cima de volta. Agora sim, tinham o kit de moldar chaves das Irmãs Carmelitas completo, bastava o momento propício para utilizá-lo. Alois olhou ao redor. Os guardas não poderiam nem sonhar com aquilo. A primeira tentativa cobrava seu preço cada vez que se lembrava dos tiros e vidas interrompidas. Dessa vez, seriam pendurados pelos braços no teto da cabana até que seus ombros se deslocassem ou acabariam despedaçados pelos cães. Nenhuma das alternativas era boa, mas ficar e perecer também não era.
Encostou a cabeça no catre. Cedo ou tarde, todos eles morreriam, até os malditos guardas e seu maldito comandante. De algum jeito, Ludwig haveria de saber que ele ao menos tentara. Que apesar de todas as suas mentiras, seu tio tinha sido sincero uma vez.
Yvette cutucou seu braço: ―Pensando no seu sobrinho, Grandão?
Suspirou: ―O tempo todo.
―Vocês eram uma família, né?
Sorriu: ―Não sei se mais alguém chamaria a gente de família, mas era o bastante pra mim. —Os olhos de Alois se iluminaram um pouco, lembrando: ― Fiz um bolo pro aniversário dele. Ficou péssimo, mas ele gostou mesmo assim.
―Acho que a perfeição está em não ser perfeito. Se a gente usa maquiagem demais, fica igual manequim de boutique. ― Riam, até reclamarem do barulho.
Murmurou:―Só queria saber onde eles estão, como estão...
―Se a gente conseguir, quero procurar minha avó e os meus irmãos. Podemos te ajudar a achar o seu sobrinho! Tenho um irmão caminhoneiro, posso pedir a ele...
―Não sei, Yvette. Me disseram que o mandariam a um abrigo, mas aquele oficial o trouxe para cá e depois o levou embora! —falava, atormentado.
―Disseram que era o filho dele.
Encarou-o: ―Filho?
―Não queria te desanimar. ― ela explicou.
Olhou para baixo, juntando os joelhos contra a barriga que já não tinha. Mesmo se não fosse o Ludwig ali, não poderia desistir. O sobrinho continuava em algum lugar lá fora, precisando dele.
No dia seguinte, algumas limas e alicates sumiram por debaixo da esteira, mas sabiam perfeitamente onde eles estavam. Saíram na calada da noite, aproveitando que o kapo deixara seu posto indo até a latrina mais próxima. Dentro do depósito, colaram os pedaços de fita adesiva transparente sobre as chapas de metal a serem cortadas, se guiando pelo desenho da fuligem grudada nelas. Depois, se encarregaram de limar as chaves, mas o trabalho era muito vagaroso. O menor ruído seria o bastante para acabar com todos os sonhos do grupo.
Olharam para o céu estrelado pelo buraco do teto. —Queria que elas estivessem aqui. — disse Yvette, limpando as lágrimas. Concordou, continuando a lixar as cópias.
Nas palavras da amiga: ―Foi pior que depilar com cera quente! Quase morri quando você jogou aquela pedra pra distrair ele! ― Riam, reunidos pela última vez antes de porem o plano em prática.
Sentada num caixote, Klaudia suspirou: ―Precisamos marcar o grande dia.
Alois esfregou as mãos calejadas: ―Qualquer que seja a data, tem que ser na troca de turnos. Será mais fácil passarmos despercebidos.
―Não podemos chamar a atenção. —Ela apontou uma bolsa velha: —Levamos os uniformes e a munição pra vocês com ela, e daqui saímos para a garagem.
Yvette se virou para a freira: ―Tem que agir igual os guardas agiriam Irmã, nada de pedir licença aos prisioneiros!
Notou o semblante calmo dela. Maria sorriu: ―Nada, só refletia sobre como somos abençoados por estarmos juntos, em circunstâncias tão incomuns. Não concorda?
―Tem razão. ― respondeu. Deus certamente tinha um senso de humor no mínimo estranho. A amizade entre eles mais parecia o começo de uma piada do que outra coisa. "Uma travesti, uma freira, uma judia e uma bicha se encontram num campo de concentração..." A sirene soou. Se despediram, desejando que o dia seguinte não fosse o último que teriam juntos.
~~***~~
Na versão anterior o nome da Klaudia era com "C", mas eu acabei mudando por achar que ficaria mais parecido com os nomes que as pessoas usavam em países germânicos.
Eu também fazia uma brincadeira com as iniciais deles (Yvette, Maria, Claudia, Alois). 🌈 😁Dica: tem a ver com uma música.
Os próximos capítulos reservam muitas emoções e surpresas, só posso dizer isso!😘😀 então, leiam, comentem e votem! Obrigada!
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...