Capítulo 4

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Anoitecia quando o viu na rua, em cima da bicicleta nova. Ao vê-lo, ele desmontou dela correndo, o maior sorriso: —É igualzinha a que eu queria! Obrigado!

Limpou o rosto, quando ele perguntou: — O que aconteceu, tio?

Se abaixou até ficarem olhos nos olhos e proferiu as palavras mais difíceis de sua vida: —A sua mãe sofreu um acidente. E ela...ela morreu.

O menino se afastou. Lágrimas rolaram de seus olhos, caindo direto no espaço que havia entre eles: —Não, ela não pode morrer! Ela é boa!

—Pessoas boas também morrem. Todo mundo morre.

—Mas por que ela? ― perguntava.

Abraçou-o, se perguntando o mesmo: — Sinto muito, Lud. Você vai ficar bem. Eu vou te deixar com a Martha hoje e te busco amanhã.

—NÃO! Eu quero a minha mãe! Minha mãe... — Ele chorava sentado no chão, o rosto enterrado entre os joelhos.

Alois o carregou no colo e arrastou a bicicleta até o prédio. Bateu à porta da vizinha de Klara. A senhora de xale e cabelos brancos apareceu, junto dos netos. Já estava informada da situação e deu as condolências a eles: —Pobrezinho. Ela era tão jovem.

Ludwig continuava agarrado a ele, sem querer ver ninguém. Após muita insistência, conseguiram fazê-lo entrar.

—Eu venho amanhã. — disse, o ombro ensopado pelas lágrimas do sobrinho. Só saiu depois que Martha fechou a porta.

Bateu a porta e caiu no sofá. A sensação era de estar parado no tempo, como se aquele dia nunca acabasse. Otto desceu ao seu encontro, a tristeza refletida em seus olhos: —Sinto muito, Al.

Se deixou envolver pelo abraço dele. —Como foi que...

—Gerhard me contou agora a pouco. Você podia ter me telefonado, eu teria ido com você e...

—Tudo bem, já cuidei de tudo. — disse, com a frieza de quem começa a se recuperar de um baque. —Foi a coisa mais difícil que eu já fiz. — A imagem de Klara morta voltava em sua mente, assim como a do sobrinho órfão, chorando.

O companheiro afagou suas costas: —Sei como é.

—Deixei o Ludwig com a Martha por hoje... — disse, esbarrando naquela questão.

O silêncio prevaleceu, até Otto se levantar: —Ele precisa de você. Vou achar outro lugar, perto daqui.

Seria o certo, mas ao mesmo tempo, não. Como poderia pedir que ele se retirasse num momento como aquele? Poderia mesmo cuidar do sobrinho sozinho? E se Otto decidisse que ele não valia mais a pena?

Apesar de ir contra toda a lógica do mundo, o segurou pela mão, pedindo: —Não. Não quero que vá embora, mas... também não quero que ele saiba sobre nós. Ele é muito jovem e depois do que aconteceu, você entende?

O companheiro tornou a sentar-se: —Entendo, mas será difícil de esconder isso, não acha?

—Ele pensa que somos amigos. Podemos dizer que você está morando aqui, por um tempo.

Ele cruzou os braços, perplexo: — E quando formos dormir?

—Ora, você dorme no quarto das tralhas e o Ludwig pode dormir na nossa cama. Eu durmo num colchão até arrumarmos outra. — explicou, vendo-o balançar a cabeça:

—Não vai dar certo. Você sabe que não vai...

—Pois vai ter que funcionar! Não vou deixar o Ludwig aqui com você e eu dormindo no mesmo quarto, muito menos na mesma cama. —Tal possibilidade estava fora de cogitação. Por tudo que era mais sagrado, nunca deixaria o sobrinho exposto a uma vergonha dessas. Se acalmou, pedindo: — Vai ser só por enquanto, só até as coisas se acertarem.

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