Ludwig acordou mais cedo. Andando na ponta dos pés, via Barão arranhar a porta do quarto. O tio já devia estar acordado, pensou. Espiou: ele roncava com o braço dependurado sobre a barriga de Otto, enrolados no mesmo cobertor. Pareciam os sete anões do filme, dormindo nos cantos mais inusitados, como numa pia ou numa lareira. Dava uma risadinha, ele se espreguiçar, acordando. Correu e se abaixou em silêncio na escada, pronto para dar um susto nele, até ver algo liso e fino debaixo da porta. Puxou o papel dobrado escrito: "Para Ludwig". Estava lacrado com um chiclete de tutti-frutti. Leu:
"Sinto muito pelo que eu te disse naquele dia. Vamos para a Inglaterra amanhã de manhã, se quiser se despedir. Assinado: Gretel"
Seu coração disparou ao ler a data. Subiu, gritando: —Tio! A Gretel vai embora, eu tenho que falar com ela!
—Claro, depois do café...
—Não, tio! Ela vai embora agora!
Alois buscou as chaves: —Vá se trocar!
Tentava, mas as roupas pareciam lutar com ele. Vestiu a camisa do lado errado, deixou os suspensórios soltos e correu, desviando de Otto pelo corredor.
Saiu contornando a esquina em direção à casa dela. A caminhonete dos Stein cruzava a rua. Gritou: —Gretel, eu te perdoo! Me desculpe! —Começava a ficar para trás, quando o carro parou. A menina desceu dele.
Arfando, mostrou a carta a ela.
Gretel desgrudou o chiclete do papel, colocando-o de volta na boca: —Obrigada! — Ela usava um laço de fita azul no cabelo e um vestido listrado da mesma cor, e dessa vez, Ludwig não achou que a deixava boboca. Na verdade, queria pedi-la em casamento naquele instante.
O pai dela chamou do carro: —Depressa, filha! Não podemos perder o navio!
—Já vou! — Ela gritou de volta, dando-lhe tempo de processar aquele momento tão angustiante.
—Desculpa ter te chateado. E eu aceito as suas desculpas. Vocês vão mesmo pra Inglaterra, né?
—É. Pra Yorkshire. — ela respondeu, desviando o olhar e sorrindo. Os pais dela chamaram de novo. Gretel o pegou de surpresa com um abraço: —Te mando uma carta quando chegar!
Ludwig pensou que desabaria ao vê-la acenar pela janela. Acompanhou o carro até se ver forçado a parar, tossindo com a poeira. Pelo menos tinha uma desculpa caso o vissem chorando.
Sentou na calçada, até o tio aparecer.
—Falou com ela? — ele perguntava, esbaforido.
Limpou o rosto, acenando.
—Ótimo. — ele disse, acompanhando-o de volta.
Cutucava o ovo frito com o garfo. O tio o olhou por cima do ombro, enquanto lavava a louça: —Não fique assim. Eles ficarão bem melhor lá. Vai ver quando ela te escrever.
—Mas por que tem que ser assim? Só por causa de uns idiotas...
Otto, que torcia roupas numa bacia ao lado, ergueu as sobrancelhas para ele: —Nesse caso, foram muitos idiotas. Mas não se chateie, também sairemos daqui muito em breve.
—Como assim?
Os dois trocaram olhares indecisos, até seu tio fazer sinal para que Otto prosseguisse: —Vamos para Yorkshire, na Inglaterra! Meu pai tem uma casa por lá.
—Jura? Gretel também! —Se levantou, a alegria explodindo dentro de si: —Eu vou poder falar com ela?
—Claro, não deve ser tão difícil encontrá-los. —Otto o conteve antes que tropeçasse de tanta animação.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...