O pôr do sol coloria os ladrilhos da rua e Alois repetia o trajeto até a padaria dos Becker com o sobrinho. Klaudia os atendia enquanto o irmãozinho dela, mostrava seu novo ioiô a Ludwig. Pagava no momento em que alguém do lado de fora gritou:
—Morram, judeus! — A vidraça se partiu, num estrondo agudo.
Curvou-se sobre os meninos, protegendo-os dos cacos. A pedra rolou pelo chão, parando aos pés dos fregueses que contemplavam a vitrine destruída com assombro.
Se levantou, checando Ludwig e Tommy, mas eles estavam ilesos. Klaudia não teve essa sorte: sua testa sangrava. Amparou-a.
A sra. Becker socorreu a filha, desabafando: —Já é a segunda vez que fazem isso!
Ele e mais três homens da família saíam para procurar o autor do ataque quando esbarraram com Herman.
—Graças a Deus! Veja — Apontou: —, o infeliz acaba de sair, mas se corrermos...
O policial o ignorou, marchando até elas. Ordenou: —Duas tortas de maçã, agora!
Entreabriu os lábios, sem acreditar: ele era ou não o chefe de polícia ali? —Não vai atrás dele?
O oficial o encarou, ultrajado: —O meu trabalho é cuidar dos cidadãos de bem. —disse, se voltando para elas: —Rápido, judia!
As duas obedeceram. O restante da família se dividia em ajuda-las ou assistir receosos enquanto os fregueses se dispersavam.
Alois cerrou o punho. Queria soca-lo nas fuças até que ele se ajoelhasse e lhes pedisse desculpas... mas tinha um sobrinho para tirar dali.
No dia seguinte, a padaria não abriu.
A não ser por esse episódio, as coisas continuaram relativamente tranquilas, mas havia algo diferente no ar. Tudo ficou mais claro depois que Otto ligou o rádio naquela noite. A voz do chanceler Kurt Schuschnigg soava vacilante:
"Preciso saber se o povo austríaco quer este país livre, independente, e unido, sem sofrer nenhuma divisão política e se o ideal de igualdade para todos os homens neste país é para todos os homens sem exceção a qual eles possam perseguir. Então, no dia 13 de março, diga "Heil Oesterreich!""
O locutor anunciou:
"Será realizado um referendo no dia 13 de março para determinar a independência da Áustria pela vontade de sua população, ou o desejo desta em se unir à Alemanha. Todos os homens com idade de 24 anos ou mais, devem comparecer à zona de votação mais próxima de sua cidade."
—Referendo? Para quê, esse país já foi vendido mesmo! — exclamou, pensando nos comentários que ouvia no bar.
—Não perca as esperanças tão rápido. Tem muita gente que votaria contra: você, eu, meu pai, Wilhelm, o pessoal dos Stein, os Becker da padaria...
—Ou seja, temos a larga vantagem de dez ou doze votos.
Ludwig levantou a cabeça, debruçado no tapete: —Tio, o que é anexar?
Otto o respondeu: —Quer dizer que os alemães querem juntar o nosso país com o deles, para que seja um só, o que é uma péssima ideia. — Aquele seria o último passo para que gente como a família de Klaudia fosse condenada a viver como párias, Alois temeu.
—E por que querem isso?
—Porque tem gente que veio com os intestinos no lugar do cérebro. —resmungou, sem conseguir se controlar mais.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...