Ludwig acordou suando, o coração acelerado. A Sra. Zoller veio, atraída por seus gritos. Espantou-se ainda mais com a enorme mancha roxa no olho dela.
―E-eu escorreguei, no banheiro. —Ela disse, ajeitando seu cobertor. Queria contar o que realmente acontecera, mas o machucado dela o fez reconsiderar: o tapete não estava no banheiro naquela hora, mas sim secando no varal.
—Teve um pesadelo, querido? —ela perguntou, acariciando seu cabelo.
Nele, hordas maltratadas marchavam, mas nenhum dos prisioneiros o assustava mais que os homens de preto, principalmente Klaus. Baixou o rosto. Sigrid pareceu perceber, pois murmurou: ―Você não tem culpa pelo que aconteceu. O seu pai, às vezes ele diz e faz coisas de que se arrepende depois. Ele nunca quis te machucar. As coisas serão melhores se você simplesmente aceitar. É o nosso filho agora.
Não queria discutir aquilo, então voltou à questão que o intrigava: ― Por que o Führer odeia tanto os judeus? Disseram que eles são ricos e egoístas, mas estavam todos com as mesmas roupas e pareciam famintos.
Ela franziu a testa: ―Meu anjo, ele não odeia os judeus. Só não acha que possamos viver todos juntos. E que história é essa de famintos? Eles são alimentados todos os dias! Klaus me contou que tem até uma piscina pra se exercitarem. Isso é só até o governo encontrar um lugar onde eles possam morar. Eles não ficarão presos para sempre, querido.
―Mas por que eles não podem morar onde quiserem, igual a todo mundo?
O choro da bebê os interrompeu: —Não fique pensando nisso. — Ela lhe deu outro beijo de boa noite e Ludwig concluiu que ela não esteve no mesmo lugar que ele e que Klaus mentira.
O Sr. Zoller anunciou no café da manhã, mirando-o: ―Nossa caçada na reserva será amanhã, Lothar.
Ludwig se encolheu. Fitou a mãe adotiva, mas ela desviou os olhos. Lisle o encarava fixamente, apertando o garfo contra a comida.
―Posso ir com vocês? ―A voz dela sobressaiu na mesa. Estremeceu com a perspectiva.
A sra. Zoller respondeu: ―O seu pai quer ter um tempo a sós com o seu irmão. Por que não fica em casa, vou ensiná-las a costurar! ― Com exceção da mais velha, as meninas se entreolharam animadas, discutindo os tecidos que usariam. Ludwig se viu desejando poder se juntar a elas, especialmente depois de Lisle insistir:
―Mas eu quero muito ir! Por favor, papai!
― Caçar é pra homens, não pra damas como você. Fique em casa com a sua mãe. ― ele respondeu, saindo.
Sentiria pena se não fosse pelo olhar rancoroso dela. A mãe a convidou novamente, ao que ela gritou um altíssimo "cale a boca" e correu para o quintal.
A Sra. Zoller se voltou para eles: ―Sabe jogar xadrez, Lothar? ― Retrucou que não, quando Monika e Sofia opinaram: ―Vamos costurar, mamãe!
―Ah, mas o seu irmão não se divertiria fazendo isso...
Ludwig temia que ela o mandasse ficar lá fora, com Lisle. Se levantou dizendo: ―Eu vi o filme da Branca de Neve uma vez, vocês já viram?
Para seu alívio, ambas pediram: ― Conte para gente!
Enquanto Sigrid buscava a cesta de costura, Ludwig narrava: ―A bruxa tinha um corvo que se enfiava numa caveira toda vez que relampejava...Ela tomou uma poção e ficou bem velha! ― Ao mesmo tempo em que queria impressioná-las, tentava não acabar rápido o bastante para ter que sair de perto delas. Quando nada mais restou a contar, sua mãe adotiva comentou: ―Não é à toa que dizem ser o filme preferido do nosso Führer.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...