O céu ganhava as cores da madrugada quando Klaudia e Maria saíram. O subcampo feminino ficava a poucos metros dos depósitos, mas nenhum kapo ou guarda era visto por ali àquela hora. Talvez por acharem que as mulheres fossem menos propensas a fugir. Ledo engano, pensou, pisando na varanda dos depósitos. Passou a lanterna para a freira, enquanto sua mão alcançava as chaves no bolso. As rebarbas irregulares dela espetavam seu polegar quando a enfiou na fechadura. Girou-a, mas a tranca não abria. Suspirou, o ar frio arrepiando sua pele. Ora essa, tinha testado todas no dia anterior...
―Anda... ―A chave girou devagar, até que veio o clique e a tranca deslizou. Fechou a porta atrás delas. Seu coração palpitava conforme via as pilhas de uniformes e botas.
Vasculharam, verificando os tamanhos. Arnold era bem pequeno, mas encontrou as peças para ele por fim, aconchegando-as junto ao peito. Também pegou as de Alois, enfiando-as na bolsa. Não havia espaço para erros àquela altura. Irmã Maria se ocupava no cabide ao lado, separando os uniformes para elas. Murmurou: ―Não se esqueça dos quepes! E os cintos!
Irmã Maria se inclinou sobre ela, com sua voz tranquilizadora: ―Vamos vestir os nossos primeiro. ― Ela lhe estendeu a jaqueta e a saia. Se vestiu depressa e calçou as botas, quando ela lhe pediu ajuda com os botões. Eram vários e pequenos, cada um a atrapalhar um pouco mais as suas vidas. Fechou só alguns e se levantou, limpando o suor do rosto: ―Agora os cassetetes. Tem que prender no cinto, eu acho.
Por fim, encarou o quepe com a insígnia de caveira e o arrumou por sobre os cabelos curtos. Cabelos... Sim, tinha se esquecido daquele detalhe. Mas não tinham alternativa agora. O tempo de ter medo acabara no momento em vira toda a família morta. Conteve-se; não choraria por eles num lugar como aquele. Checou os uniformes uma última vez.
A Irmã a encarava: ―Tudo bem?
―Sim. Pega os cassetetes e as botas. ― Tinham que voltar ao lugar combinado.
Encontraram os dois atrás do prédio e entregaram os uniformes.
―Eu queria o que você está usando, poxa... ―Seu namorado disse. Não entendia como Arnold ainda podia brincar numa situação daquelas.
―E as armas? ― Alois perguntou, retirando a jaqueta.
―Vou pegar, esperem aqui. ― ele parecia querer dizer alguma coisa, mas se calou. Deixaram os rapazes e caminharam de volta.
Por fora, parecia tranquila, mas por dentro, a tensão a devorava. O suor grudava em suas roupas, o vento frio soprando em sua nuca conforme encaixava a chave na fechadura. Então, alguém gritou:
―Heil! ― Reconheceu-o de imediato: era um dos guardas presentes na captura deles. Parou na mesma hora, os olhos muito abertos. Fez a saudação mesmo assim, talvez ele não as tivesse reconhecido...
Ele deu aquele sorriso odioso. Olhou para Irmã Maria, cujo semblante permanecia o mesmo. Seu temor se concretizou quando ele riu: ―Você fica bem melhor nessas roupas, realmente...
―O que está dizendo? ― Respirou fundo e voltou a girar a chave na fechadura.
Ele a segurou pelo braço: ―Aonde pensa que vai, rata judia?
Tentou se soltar, mas o aperto dele só aumentava. ― Me largue! — Se debatia, até que Irmã Maria brandiu o cassetete, acertando-o na cabeça. A pancada o fez soltá-la.
Puxou o revólver dele, cravando-lhe três tiros. O homem tombou com a boca aberta sobre seus pés. Chutou-o e cuspiu em seu rosto, desejando que Zoller não demorasse a ter o mesmo destino. Guardas alarmados apareceram. Se refugiaram no depósito, trancando a porta.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...