Capítulo 39

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—A cerimônia será daqui a pouco. Cuide para que ele esteja apresentável. —Klaus saiu sem mais nenhuma palavra. Sigrid encarava o chão. Logo os convidados apareceriam. Seu coração se apertou frente ao espelho. Pegou a escova, tentando trazer o penteado à antiga forma. Por mais que se esforçasse, porém, ainda sentia o cano da espingarda encostado em sua cabeça. Passou um pouco do pó de arroz no rosto.

Tocou a camisa marrom-glacê do filho. Sempre pensara que um dia como aquele seria de grande alegria. O menino que só há alguns minutos estava acorrentado veio até ela, o rostinho marcado de hematomas: —Estou bem, não precisa chorar.

Abraçou-o. Ele era tão bom, mas tê-lo em casa era como ter um passarinho engaiolado. Se ao menos ele não se rebelasse tanto, talvez seu marido não precisaria ter feito tudo o que fizera... Então se lembrou de outras ocasiões e percebeu: não havia e nunca houvera outro Klaus. Quando ele falava em amor não era para nada além de mantê-la dócil, para logo depois, seguir adiante com seus próprios planos.

—Eu preciso te vestir. —Felizmente, Herta ajudara arrumando as meninas, de modo que ela ainda tinha tempo para cuidar disso. Apenas o gesso continuava um pouco sujo, mas isso não importava. As mangas compridas da camisa escondiam os machucados nos braços, mas as mãos continuavam lastimáveis: —Não consegue parar de lavá-las?

O filho baixou o rosto. Temia ao pensar no que lhe aconteceria assim que chegasse ao acampamento: —Vamos fazer um curativo nisto e depois... —"depois o jogarei aos lobos", pensou.

Feito o curativo, espalhou um pouco de pó de arroz sobre a testa dele também, constatando com tristeza como podia esconder bem aquelas marcas. Encaixou o broche do Partido nele, completando aquele quadro de mentiras. O menino a olhava, provavelmente querendo pedir a única coisa que não poderia fazer por ele. —Vá, ainda tenho que me vestir. Logo os convidados chegarão, Lud...Lothar. — Ele saiu, de cabeça baixa.

Suspirou, contemplando a cômoda onde Klaus a empurrara, ameaçando-a. Se aquela era a única língua que seu marido conhecia, assim seria: com cautela, tirou o revólver do cofre e o guardou no armário da cozinha. Lothar ganharia um prazo extra para se recuperar e ela finalmente mostraria ao marido com quem estava lidando.

Do lado de fora, um toca-discos executava uma sinfonia de Wagner e o palanque enfeitado esperava pela cerimônia e pelo show de mágicas depois. Com orgulho, Klaus pendurara a bandeira do Partido, trazida diretamente de Berlim. Bexigas coloridas flutuavam nas laterais da casa. Sobre a enorme mesa, baldes cheios de cerveja e refrigerantes, além dos salgados, sanduíches e dois bolos: o do Führer, coberto de glacê branco com um retrato oficial logo ao lado e o do filho, com os dizeres "Feliz aniversário, Lothar".

"Dá azar desejar feliz aniversário antes do dia", recordava-se de sua mãe falando. Se perguntava se seria possível ele ter um azar maior que o de estar com eles.

—Onde está Lisle? ― perguntou à empregada, que apontou a garota conversando com um jovem soldado da Tropa. Apesar de ainda estar furiosa e principalmente cansada da surra que lhe dera no dia anterior, pelo menos ela não estava naquele maldito celeiro. Klaus se livrara da espada, dando-a de presente ao professor de Lothar. Em retribuição, seu filho partiria no mesmo dia, contra todos os seus pedidos. Ah, mas isso era antes, quando ainda tinha algo a perder, pensou, ninando a bebê em seu colo.

~~***~~

Ludwig já não sabia mais o que sentir. Tudo ali era uma piada horrível, das que Gretel desprezava até a alma. Pensar nela o fez lembrar de casa, a angústia apertando seu peito. Tirava pequenas lascas do gesso. Apertou as pontas dos dedos, a maldita vontade de coçar as bandagens e lavá-las até que só restassem os ossos... Se contorceu, pensando em como era cruel que não soubesse onde diabos seu tio estava que não chegava nunca. Então, uma ideia lhe veio: seu tio o abandonara, como seu próprio pai fizera antes. Por que ele era uma bichinha chorona, exatamente como Lisle havia falado. Se continha para não chorar de novo. Então, a sra. Zoller veio lhe apresentar os pais dela.

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