Capítulo 31

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Encarou a resposta para sua principal pergunta escorrendo por entre os sulcos do assoalho. Largou o revólver. Nenhum número, nenhum endereço. Adeus, Ludwig...

Otto pousou a mão em seu ombro: ―Não temos mais nada a fazer aqui. ― A fala que deveria soar reconfortante, soava como as trombetas do juízo final.

―Ele sabia onde Ludwig está, disse quem está com ele, mas não me lembro... ―Herman poderia ter blefado sobre não ter o endereço anotado. Se voltou para a cômoda, procurando uma nota, papel, agenda. O companheiro o ajudou. Vasculharam os uniformes, o guarda-roupa, tudo, sem resultado.

―Ele não disse onde era?

―Não ― A visão do cadáver risonho o atormentava: ―Ele ligou dizendo que era o pai dele quem queria falar... ― Arregalou os olhos, entendendo: ―Deve ter sido adotado então.

―Eu soube ― Seu companheiro franziu a testa: ―, fui a todos os abrigos de Graz com Wilhelm. No último, ameaçaram chamar a polícia.

Alois se voltou para a janela, olhando a estrada: não demoraria até darem pela falta do maldito. Suspirou, os pulsos marcados sobre o parapeito. Otto tinha razão: precisavam ir depressa, mesmo que significasse não terem mais nenhuma pista. Outra vez tinha estragado tudo, pensou, apertando a manga da jaqueta sobre o corte no braço.

―Vamos encontrá-lo. ― o companheiro dizia, abraçando-o.

Limpou o rosto: ―Sim. ―Andou alguns passos, quando percebeu que continuava descalço. Viu as botas de Herman perto da porta e calçou-as. Antes de sair, deu uma última olhada para o cadáver imóvel. Caminharam juntos para fora.

―Como chegou aqui? — perguntou.

Ele riu, erguendo as sobrancelhas: ―Roubei um táxi.

Não deixou por menos: ―É mesmo? Nós roubamos o carro do comandante do campo.

Ele entreabriu os lábios, voltando à seriedade: ―Tive que vir devagar pra seguir aquele desgraçado e depois o carro ficou sem gasolina. Quase cheguei tarde. ― disse, tremendo ao segurar sua mão.

No meio de tantos sentimentos confusos, Alois viu o rosto cansado do companheiro e apesar de querer chorar, sorriu, pensando na sorte que tinham.

Acharam uma motocicleta ao lado do carro na garagem do chalé: ―Vamos tentar uma coisa diferente desta vez. ― Deu a partida e a danada começou a chacoalhar. Lembrava um pouco seu antigo avião, o mesmo ronco avisando que era hora de içar voo. Se virou para o companheiro, batendo de leve no assento vazio. Tomaram a estrada, o vento a chacoalhar sua jaqueta, acariciando os cabelos que recomeçavam a crescer. O sol se punha, as sombras cobrindo a paisagem. Pararam no sopé da montanha, observando o riacho entre os pinheiros. Distraíam-se com os vaga-lumes ao redor. Se abaixou para lavar o rosto e encarou seu reflexo: era o mesmo, mas diferente. Muito diferente, poderia dizer.

Olhou para Otto: de cavalheiro refinado ele descera a legítimo representante da ralé, o cabelo apontando para todos os lados, a barba ainda pior. O paletó bem conservado que ele costumava lavar com capricho desbotado e puído. O que mais saltava aos olhos, porém, era o vazio sob as roupas. Ele poderia passar por um prisioneiro do campo, pensou, amargurado.

Se encararam por um momento, até o companheiro sorrir sem graça, repuxando as mangas: ―Não é uma boa hora pra você remendar minhas camisas, é?

Riu, limpando uma lágrima: ― E pensar que eu não tinha mais nenhuma esperança...

―E nem eu. ― ele disse, seu sorriso desaparecendo: ―Depois que saí da prisão, te procurei naquele campo. O soldado me mostrou seu nome riscado... eu fiquei louco. ― concluiu que devia ter sido quando o mandaram para o poço. ―A única coisa que me mantinha de pé era saber que o Ludwig precisava de nós, mas os dias passavam e as coisas ficavam difíceis. Wilhelm, coitado, ficou do meu lado até não poder mais. O deixei ir mesmo sabendo que poderia nunca mais vê-lo, nem minha família. Nada mais importava.

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