Capítulo 26

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― Tá frio... ―Yvette gemia, agarrada à freira.

Klaudia se virou, trêmula no volante: ― Aguente, por favor...

Alois se lembrou das lições no campo de batalha e instruiu-a: ― Levante a perna dela e aperte atrás do joelho, pra diminuir o sangramento. E cubra-a com isso, Irmã! ― Entregou a jaqueta do uniforme. Faziam isto, quando ela desmaiou. Klaudia gritou, mas ela logo recobrou a consciência.

―Precisamos hospitalizá-lo rápido! Ele perdeu muito sangue. — disse a freira.

Encarava os lábios esbranquiçados da amiga, desalentado: ―Não podemos ir a um hospital.

― Se estávamos em Peggau, pode ser que estejamos perto, mas não sei...―Irmã Maria dizia, atenta à paisagem por onde passavam. Depois de meses enclausurada num campo de concentração e antes num convento, não podiam culpá-la. A freira continuava indecisa, até avistarem uma placa meio apagada na bifurcação: "Gratwein".

—Eu conheço! —Maria se ergueu sobre o banco da frente, apontando: ― Essa estrada leva para a abadia! Eles vão nos ajudar. — Klaudia sorriu, suas bochechas salpicadas de lágrimas. Alois suspiro, aliviado. Yvette era parte do que o mantivera vivo naqueles dias tão terríveis e queria que continuasse assim.

Entraram na estradinha de terra cercada por árvores. O caminho entrecortado por clareiras os acolheu com sua folhagem densa, protegendo-os da visão de possíveis perseguidores. Em certo ponto os pinheiros começaram a rarear e as colinas e montanhas se ergueram por todos os lados. Abaixo, vilarejos com pastores vigiando suas cabras. "Será que essa gente sabe do que existe a poucos quilômetros daqui?" era o que se perguntava.

O caminho se ampliou, revelando a abadia. Era um prédio modesto e antigo. Pararam em frente às grandes portas de madeira, cerradas provavelmente desde tempos imemoriais.

Irmã Maria deu duas batidas firmes no batente de ferro. Esperaram algum tempo e a pesada porta rangeu, um monge idoso surgindo detrás dela. Ele levou a mão ao peito, de certo assustado com os uniformes que usavam. Antes que piorasse, Maria se identificou e ele finalmente a reconheceu. A conversa foi rápida e após instantes, os portões foram abertos. Klaudia dirigia pelo pátio do claustro, sob olhares de espanto. As altas muralhas faziam sombra sobre o chão coberto de grama.

O frei se aproximou, enxugando a testa com um lenço: ―Levem-no à enfermaria. ―Irmã Maria ajoelhou, repetindo os agradecimentos deles todos.

Alois carregou Yvette, sentindo-a se desfazer como um boneco enquanto os monges os guiavam. A colocaram no leito, a voz dela soando enfraquecida: ―Klau-dia...

A garota se abaixou, segurando-lhe a mão: ―Estou aqui, Arn... Yvette. Estou aqui com você.

Ela suspirou, estreitando os olhos: ― Pegou aquele filho da puta direitinho, estava tão linda...

A namorada lhe beijou o rosto, chorando em seu peito: ―Por que fez isso? Ele poderia ter matado você!

―Ele matou a sua família, Beleza e Esquilo... Não podia ir embora e deixar tudo por isso mesmo. —Aos vinte e poucos anos de idade, toda estupidez era explicável, Alois concluiu.

Klaudia acariciou o rosto dela: ―Matá-los não os trouxe de volta, nem vai trazer...

Yvette ergueu os olhos cor de violeta, sorrindo: ―É, mas trouxe você pra mim.

Ela se curvou, murmurando algo num pequeno beijo.

Alois as observava de longe, entrecortando o olhar com a vista da janela: não havia nada para ver ali, só não queria interromper as pombinhas.

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