Capítulo 2 (parte 2, final)

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Dali a pouco, o carro do anfitrião cruzou os portões. Gorducho e de barba branca, Heinrich Vandenburg era tão parecido com Otto que Alois se perguntava se estaria mesmo condenado a vê-lo envelhecer até se tornar a cópia do pai. Com a bengala pendurada no braço, ele foi logo saudado pelos netos: —O Führer já passou por aqui? Será que ele gostou da nossa faixa? — Ele ria com as crianças. A vitalidade invejável para seus quase setenta anos era ultrapassada apenas pelo entusiasmo em defender o próprio ponto de vista. Alois logo entendeu que a melhor forma de lidar com isso era concordar com tudo até cansá-lo, mas não era tão fácil, principalmente com ele acenando, animado:

—Filho! Genro! Que bom vê-los!

Otto o puxou pelo braço até o patriarca, que apresentou seus três convidados:

—Estes são Herr Schmidt, Frau Helga e Lady Jovita. São donos do hotel onde fiquei no último congresso de História e concordaram gentilmente em prestigiar o nosso evento.

Alois se deteve ao lado do companheiro, analisando o grupo: Herr Schimidt, que mal se apoiava na própria bengala, poderia muito bem ter participado das Guerras Napoleônicas, enquanto que o perfume de Frau Helga chegara até eles muito antes dela própria. Quanto à Lady Jovita, não podia sentir nada por ela a não ser pena de seus seios, tão apertados que estavam naquele decote. Continha a vontade de rir; não queria envergonhar Otto, mesmo na frente de sujeitos tão burlescos.

O anfitrião retomou as apresentações: —Esta é minha esposa Elleanor, e estes são meus filhos: Wilhelm, a esposa dele, Aninka— Fez uma pausa, agora apontando na direção deles —, e meu outro filho, Otto, e o companheiro dele, Alois. — Notou os olhares pasmos quando o velho disse aquilo. O senhor Vandenburg pediu licença para chamar os garçons.

Herr Schimidt e Frau Helga olhavam para a neve, como se fossem descobrir algo de interessante nela, e Alois percebeu tarde demais que gostaria que Otto lhe segurasse a mão naquele instante.

Lady Jovita se voltou para ele: —Nossa, um senhor tão charmoso. É mesmo uma pena.

Alois arqueou a sobrancelha: —Perdão?

—Disse que é uma pena, um homem tão bonito, merecia estar ao lado de uma mulher, ter filhos. O casamento é o maior dos laços, não concorda? — falava, ignorando Otto completamente.

Olhou para o companheiro bem ao seu lado: —Deve ser. A senhora é casada?

—Fiquei viúva mês passado. Mas a vida deve seguir, não é? E o senhor, é casado? — Ela baixou um pouco as mangas do vestido.

Alois piscou para Otto, que continuava quieto, apenas observando: —Achei que tinha ouvido o senhor Vandenburg. — disse, apontando-o.

Seu companheiro sorriu, pegando em seu braço: —Completamos dez anos esta semana.

Ela franziu a testa: —Então é verdade mesmo? Pensei que fosse brincadeira, coisa de gente excêntrica, sabe? Quero dizer, vocês nem podem ter filhos.

—Podemos sim, por acaso a senhora se candidata? — Alois perguntou de súbito.

Lady Jovita riu, batendo sua bolsinha no ar: —Ah, vocês são uma graça mesmo! Quem sabe um dia? — E deu as costas a eles, indo se servir no buffet.

Se entreolharam, caindo na gargalhada. Otto buscou mais drinques: —Essa foi boa!

—Se tem uma coisa que eu sei é dar respostas. — A champanhe lhe descia refrescante pela garganta.

—Então pra ela o casamento de Nelly com meu pai também não é de verdade; ela não pode ter filhos. — O companheiro comentou.

Os sobrinhos dele brincavam de pique-pega entre as cadeiras enquanto a mãe tentava em vão contê-los. Alois pegou mais um bolinho da mesa, apontando a cena: —Não sei como alguém sentiria falta disso.

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