Capítulo 8

172 23 69
                                    


Os meses seguintes passaram sem nada particularmente digno de nota, a não ser a tristeza que dominou Ludwig durante as festas de fim de ano, apesar do esforço de todos em animá-lo. Tinha a ver com sua mãe. A ausência dela ainda doía. Só quando o sol voltou a aquecer o vale foi que começou a se importar com outras coisas. Minhocas, por exemplo.

Sentou-se no sofá, os braços cruzados sobre a barriga. Seu tio estivera a lhe dizer outra vez para não incomodar o Otto:

―Ele está ocupado! E que bichos vocês encontrariam na neve?

― Tem um monte de minhocas saindo da terra! ― repetia.

―Não me faça perder a paciência...― Alois avisava, pouco antes de Ludwig xingá-lo de "cabeça de titica". —Suba e ponha umas meias nesses pés!

Esperou-o se afastar para mostrar-lhe a língua. Passava pelo corredor quando viu Otto saindo. Chamou-o em voz baixa: —Posso perguntar uma coisa? — Aquela questão o roía por dentro. Prosseguiu: —O senhor tá fugindo da polícia?

O amigo do tio paralisou: —Eu, fugindo? — Ele riu.

—É que o tio, ele não me deixa falar de você... com ninguém. Por quê? O senhor tem vergonha de morar com a gente?

O professor franziu a testa. Temia tê-lo aborrecido, até ele falar: —Não, de maneira nenhuma. Por que me envergonharia de vocês? — Deu um sorriso nervoso e apontou para a janela: —Que tal brincar lá fora? Não devia desperdiçar um dia tão bonito.

Se lembrou: —Podemos ir ao parque? Tem um monte de minhocas lá, Gretel até achou um percevejo na cama ontem e...

Ele lhe fez um cafuné: —Sinto muito, hoje não. Quem sabe outro dia. — E ajustou o relógio no pulso, descendo as escadas.

Suspirou, quase pegando o mesmo caminho até lembrar da voz irada do tio. Correu para o quarto. Ao voltar, tinha as roupas de frio e até a rede de apanhar insetos, mas Otto já tinha saído.

Empurrou a bicicleta até o balcão:—Aonde ele foi, tio?

—Procurar emprego, agora vá lá pra fora! — Como sempre, ninguém lhe explicava nada.

Chutava um pedregulho no calçamento. Gretel veio em sua direção, o cabelo solto, coberto pelo gorro de lã. Admirou-a conforme ela se aproximava, até derrubá-lo no chão: —Ludwig, seu tagarela! Falou pra todo mundo que tinha percevejos na minha cama, não foi?! Ninguém quis sentar perto de mim no recreio, ou será que não percebeu?

—Ah, é. Desculpe. — Ela se irritou mais ainda:

—Era para ser um segredo! Tomara que o João Felpudo entre no seu quarto à noite e corte sua língua fora!

Não podia deixar assim: o Krampus não era real, mas não tinha certeza sobre o João... —Ele não vem!

—Vem sim, porque você não sabe guardar segredos!

—Então eu te conto um segredo meu! — disse, por fim.

Gretel baixou a guarda, curiosa. Hesitou: —Promete não contar pra ninguém, de verdade?

—Sei fazer isso, diferente de você.

Inspirou fundo, tomando coragem: —Sabe aquele amigo do meu tio, que mora com a gente? Eu acho... que ele pode ser um criminoso; um criminoso procurado.

Ela repuxou os lábios: —Isso não faz sentido. Se estiver inventando...

—É verdade! Meu tio diz o tempo todo pra eu não falar dele, com ninguém. Tem que ser isso!

Dois PaisOnde histórias criam vida. Descubra agora