Era um belo Pietenpol Air Camper vermelho, resplandecendo em toda a sua glória.
―Não é possível... ―murmurou, erguendo o lampião até as hélices. Tocou-as e seus olhos lacrimejaram: era mesmo de verdade. Passou a mão pela fuselagem, examinando os bancos e o cockpit. Não tinha nenhum problema aparente, apenas pequenos arranhões no compartimento de carga e nos lugares do piloto e copiloto.
Franziu as sobrancelhas, examinando a lataria brilhante. Aquele bebezinho com certeza tivera um dono zeloso. Se lembrou do comentário de Klaudia sobre os Ogdenstein, e um arrepio cruzou sua espinha.
Otto assobiou, admirado: ―É um avião de guerra?
―Não, é um modelo civil, de construção caseira. Bernard Pietenpol o criou para ser o avião que todos poderiam construir em suas próprias casas, com quase nenhum conhecimento específico, já que ele próprio não passou da oitava série. ― O que a força de vontade não fazia, refletiu, tocando de novo as asas, para ser logo interrompido pelo companheiro:
―Eu nunca voaria numa coisa dessas.
―Não seja estúpido! O homem podia não ter educação formal, mas sabia o que estava fazendo. Essa coisinha tem capacidade maior que a maioria dos aviões de mesmo porte e alcança até 160 km por hora.
O companheiro não deixou por menos: ―Como sabe disso? Você já...
―Li numa revista que Gerhard me mostrou. Eu mesmo teria comprado um e montado, se tivesse espaço. — Deu uma pancadinha de leve na lataria, ouvindo o doce som do alumínio outra vez. Era como estar num sonho.
—Bom, temos que continuar procurando o gerador. —Otto disse, segurando o lampião.
Encontraram um perto dos galões de combustível. Seu companheiro chacoalhou-os um por um, confirmando o que queriam ouvir: estavam quase cheios até a boca. Ria, custando a crer: —Não pode ser, é muita sorte.
Se virou para a frente do avião, abrindo o compartimento do motor: —Deixe o lampião aí em cima. —pediu, estreitando os olhos para enxergar as pequenas peças do carburador.
Ele obedeceu: —Vou avisar a eles.
— Isso. —disse, checando a mangueira de combustível. Precisaria de alguns reparos, mas nada que não pudesse dar jeito: —Ah, e me traga o que sobrou do café, sim?
Ele riu: —Aposto que não vai dormir.
―Só quero ficar um pouco mais. — respondeu. Fazia quase vinte anos que não chegava perto de um avião, tudo dentro de si vibrava com a possibilidade... Faria aquela coisa decolar e não descansaria até conseguir. Tendo tido treinamento para se virar em caso de necessidade, não podia ser tão difícil assim consertá-lo.
Percebia a demora do companheiro, quando ele retornou, com a garrafa térmica e um cobertor. —Decidi ficar. Sei que você não vai sair daí tão cedo... — Ele lhe serviu um pouco do café. Aproveitou que estavam sozinhos para beijá-lo. Tomou um gole rápido e voltou a se abaixar sob o carburador com a caixa de ferramentas, enquanto Otto se acomodava. Girou o rolo de fita ao redor da mangueira furada.
Espantou o sono verificando o tanque de combustível. O companheiro roncava quando finalmente checou os controles da cabine, os flaps, a cauda: tudo perfeito. Apenas as rodas necessitavam de algum reparo, mas logo as colocou nos trinques de novo.
Procurava por algo para limpar o para-brisa, quando encontrou uma autêntica jaqueta de couro, junto com abafadores de som e o capacete com óculos. Vestiu-os, sentindo o forro macio de lã contra a pele. Encarava o reflexo na lataria polida: tinha vinte anos de novo e podia fazer qualquer coisa. Extasiado, olhou para o companheiro adormecido, mas não teve coragem de acordá-lo. Deixou que ele dormisse, por que no dia seguinte, oh, o dia seguinte! Adormeceu e acordou num piscar de olhos.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...