Capítulo 30

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Otto estava na terceira ou quarta garrafa, mas podia ver pelo calendário do bar que era 10 de abril. Ou talvez 12... Só outro maldito dia em que continuava vivo e entornando tudo que encontrava. Quando não estava bebendo, comia o pouco que restara, como batatas cruas. De forma irônica, seu corpo se acostumara tanto com a rotina que virava mais garrafas que qualquer freguês dali. E quando o estoque acabou, descobriu que tinha se acostumado muito mais do que imaginava. Se antes ria das histórias que Alois contava sobre homens derramando combustível goela abaixo, agora tais histórias lhe pareciam terrivelmente próximas. Tremia e suava, numa agitação incontrolável.

Mexia em todos os cantos, na caixa registradora, nos balcões, nas gavetas e armários, até mesmo no quarto de Ludwig, quem sabe o menino deixara cair algum trocado... Não. Nenhuma moeda, nada, zero! Sentou, chorando e tremendo.

Então, se lembrou da passagem de navio que Wilhelm lhe dera: poderia vendê-la e assim comprar mais bebida! Seus olhos enevoados percorreram o papel amarelado: "3 de abril". Se deu conta: fazia uma semana que afundara ali. Pressionou os lábios sem saber mais pelo que chorava, tantas eram as coisas. Então viu, encaixada entre o balcão e a parede, uma caixa de sapatos meio amassada. Estendeu o braço para pegá-la, sentindo a poeira debaixo dos dedos. Mal a abriu, tomou um susto: notas e mais notas. Só então se lembrou de que Alois tinha por hábito sempre guardar algum dinheiro ali, caso precisasse de troco. Abraçou a caixa contra o peito, derramando algumas lágrimas sobre ela. Mesmo quando não estava mais ali, o companheiro ainda zelava por ele. "Quantas garrafas posso comprar?", se pegou pensando.

Então, percebeu: estava quase sem comida em casa e a primeira coisa em que pensara tinha sido na bebida. Queria morrer, claro, mas não por inanição. Se Alois pudesse vê-lo, diria que ele estava "sendo um estúpido", e o mandaria aparar a barba, arrumar um emprego e seguir em frente. Se ao menos ele estivesse ali, faria isso. Com prazer.

Mas não estava.

Gemeu, abraçado à caixa. Se ao menos Ludwig precisasse dele...

Mas não precisava.

Suspirou, tremendo: era o único ali precisando de ajuda.

Panelas vazias caíram na cozinha. Não trancara a porta. Alarmado, pegou a vassoura, mas era só Barão. Ele miava esquálido, a pelagem falhada. Pegou o que sobrara dos biscoitos, oferecendo a ele. O gato farejou à procura de mais. Otto o acariciou. Só tinham aquele dinheiro: ―Só mais um caneco, e eu juro que...

Partiu para a concorrência, imaginando se o companheiro praguejava do céu. Barão o seguia. O lugar era quase tão sujo quanto a casa deles agora. Entregou depressa o dinheiro, tomando o caneco nas mãos e servindo-se em grandes goladas. Separou alguns petiscos para o gato, sem tirar os olhos da cerveja, quando escutou a conversa da mesa ao lado; escutou era um eufemismo: o homem berrava tanto que seria impossível ninguém mais ouvir:

― Tinham que ver ele tentando bater no guarda... ―Era Fritz, o freguês mais miserável que Alois tivera: ―Daí, o chefe apontou o trabuco pra cara dele, mas o velho entrou e tomou o tiro!

― E o homem, morreu?

―Estirado na calçada― Ele tomou outro gole: ―O outro era magrelo de dar dó e tava de batina, mas parece que não era padre, não. Tinha até isso aqui com ele...

Se inclinou, avistando: era a correntinha de Alois. Engoliu em seco, ouvindo:

― Aquele pervertido vivia com esse negócio no pescoço! Aposto que acabou preso de novo... ― ele dizia, quando Otto arrancou o crucifixo de suas mãos, fugindo.

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