Deixou que o alcançassem a meio caminho de volta para a fazenda. Otto veio outra vez, segurando seu rosto esbaforido entre as mãos: —O que foi?
Queria falar, tinha que falar, mas aqueles olhos tão bondosos a encará-lo tornavam tudo impossível. Franz se aproximou: —Temos que pensar em como faremos para...
—Não vamos fazer nada! Esqueça. —Limpava as lágrimas, sabendo que não seriam as últimas.
—Que está dizendo? —Otto perguntou a sacudi-lo: —É do Ludwig que estamos falando!
—Pare de se enganar! ― gritou, afastando-o de si: —O Ludwig não precisa mais da gente. Ele está bem melhor lá, vocês mesmos viram!
O companheiro encarou-o, ultrajado: ―Não pode estar falando sério! Vai abandonar seu sobrinho com um nazista, é isso?
Sabia que era uma situação absurda, mas a vida até ali nunca tinha sido outra coisa para eles: ―Eu tenho que fazer isso! É o certo. — forçava as palavras a saírem, tentando acreditar nelas: ―Ele tem uma família, talvez ele seja um bom pai, apesar de tudo...
Podia sentir o quanto Otto se esforçava para conter a raiva. Mesmo assim, esperava que ele compreendesse: ―Ludwig vai ter um homem de verdade em que se espelhar e eu... o melhor que eu faço é sair da vida dele. — disse.
O companheiro levou a mão até a boca: ―E tudo o que eu e Wilhelm passamos? Tudo o que você e eu fizemos por ele?
Virou o rosto. Soaria horrível e cruel, mas precisava ser dito: ―Nós... Foi bom, mas acabou. Não podia durar para sempre...
—Não, Alois! Tenho certeza que se você perguntasse, ele lhe diria que quer vir conosco! — ele disse, a voz fragmentada: —Ele é nosso filho! Você pode até não gostar, mas é verdade. Desde o momento que você o trouxe pra casa, nossa vida ganhou tanta cor, tanta felicidade...
Era justamente por isso que não podiam levá-lo: não suportaria que Ludwig sofresse ainda mais. Não queria magoar Otto, mas precisava fazê-lo aceitar:―Ele é meu sobrinho, eu decido o que é melhor para ele!
Ele gritou de volta: —Você não tem esse direito, não depois de ter me envolvido! Não vou deixar você abandoná-lo com um assassino, EU NÃO VOU!
Àquela altura, Franz já tinha se afastado uns bons metros dali, provavelmente apavorado com a ideia de uma briga marital entre homens. Atordoado, Alois buscava uma saída: —Assassino por assassino, eu também sou! Sabe quantos eu já matei?
—Você nunca matou inocentes! Você é um bom homem, seu estúpido! —Ele puxava a gola da sua camisa para baixo, chorando: —Não se compare a ele!
Por mais que quisesse levá-lo a sério, não conseguia esboçar outra reação a não ser o riso desesperado de quem ouve uma mentira: ―Eu não passo de uma bicha velha, até a maluca da Yvette sabe! Já nem enxergo direito, como você acha que eu posso...
—Do que está falando? Você voou perfeitamente e sabe disso! Mas não é essa a questão — A voz dele soava cada vez mais embargada: —, a questão é que você não suporta a ideia de explicar a ele o que aconteceu, falar sobre nós dois... não suporta que te julguem, que te vejam como você realmente é!
Alois não se surpreendeu com aquela acusação, mas ouvi-la naquele momento, o momento em que mais se sentia de mãos atadas, era demais: —Não fale do que você não sabe! N-não fale como se você soubesse... —gaguejava, tentando se controlar, mas as lágrimas já desciam numa torrente por seu rosto vermelho e cansado: — Depois de tudo o que aconteceu, ainda acha que o único problema aqui sou eu, não é? Sou eu quem vai atormentar o Ludwig, eu que vou olhar torto pra ele, xingá-lo, que vou bater nele! E tudo por que ele teve o azar de ter um tio como eu.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...