Capítulo 1 (segunda parte)

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Admirava as flores da vitrine, já sabendo quais levaria. Gravatas, camisas e sapatos deixavam muito a desejar no quesito romantismo. Depois de dez anos, precisava de algo verdadeiramente especial.

A atendente recebeu seus cinquenta schillings, entregando o buquê de rosas vermelhas amarradas numa fita de cetim. Ela apontou o cartãozinho pendurado: — Quer que eu escreva algo para o senhor?

Escreveria ele mesmo em casa, era mais seguro. Se lembrou: —Tem algum jeito delas não murcharem até amanhã?

—O senhor pode colocá-las na geladeira. Parece estranho, mas conserva as flores.

Agradeceu, imaginando como arrumaria espaço para elas e principalmente como as esconderia do maior glutão do mundo. Caminhava pela ruazinha enlameada até que uma voz conhecida o chamou. Congelou; era Klara:

—Não esperava te encontrar aqui! — Sua irmã caçula lhe sorria, os cabelos loiros perfumados de alfazema presos na touca azul da fábrica. Ela se inclinou um pouco, a cesta de vime cheia de compras.

Se ofereceu para ajudá-la, colocando o buquê debaixo do braço. Deixara Klara ainda menina na casa dos pais reencontrando-a uma mulher feita. Tinha olhos azuis como os seus, apenas um pouco mais claros e ainda mais perspicazes. Tão logo eles pousaram sobre o buquê, soube que estava perdido.

—Arrumou namorada, é? — Ela pegou o cartãozinho, desanimando ao vê-lo em branco. Mesmo assim, deu um sorrisinho: —Tens um coração afinal!

Revirou os olhos. Apesar da idade e do seu desleixo ao vestir o mesmo colete verde e camisas encardidas quase todo dia, muitas amigas de Klara se derretiam por ele. Tais envolvimentos, porém, jamais aconteceriam, por motivos óbvios: —De novo voltando da mercearia?

—É que faltava açúcar em casa e...Ah, está tentando mudar de assunto!

—Não estou! — Recomeçou a andar.

—Quem é ela? Alguém que eu conheço?

Repuxou o braço com a cesta, irritado: —Você não tinha que cuidar do Ludwig?

—O deixei jogando futebol. Não era você quem dizia que eu precisava dar mais espaço para ele? —Ela arregalou os olhos, parecendo empolgada: —Falando nisso, Lud quer muito que você venha passar o natal com a gente! Leve o Otto também.

Preferia nem imaginar tal cena: o companheiro não era tão cauteloso e poderia facilmente cometer um deslize, e o pior, na frente de Ludwig e de sua irmã! Não poderia se arriscar. Diabos, já era a terceira ou quarta vez que ela lhe pedia aquilo?

—Não sei, ele anda meio ocupado, sabe. Talvez um dia desses —Ou melhor, nunca. Ela não sabia sobre eles e, por Deus, continuaria sem saber, assim como o menino. Seria melhor para todos.

Teria insistido em carregar a cesta até o prédio, mas odiaria que mais alguém o visse com aquelas flores. Esperou ela virar a esquina antes de voltar para seu caminho. Klara era uma boa garota, mas ano após ano ficava mais difícil inventar novas desculpas. Apertou o buquê em suas mãos. Como explicaria que o homem continuava morando com ele após tanto tempo? Teria que mentir, e de novo no dia seguinte, e no outro...

Suspirou ao chegar e não encontrar ninguém mais para dar satisfações. Abriu a geladeira, depositando o buquê na gaveta das verduras. Otto jamais mexeria ali.

No dia seguinte, acordou mais cedo do que de costume. Sentou-se na cama deles e se voltou para o homem que ressonava lentamente no travesseiro: dez anos juntos, mal podia acreditar. Apesar de todos os percalços, o tempo passara sem que se dessem conta. De fato, nada daquilo poderia ter sido fruto de um planejamento sensato. Parafraseando um poeta que Otto adorava, o amor deles não ousava dizer o próprio nome, muito menos fazer planos. Tomou banho e trocou de roupa, tomando o cuidado de escolher uma camisa branca de verdade.

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