Capítulo 6

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Alois cumpriu o prometido e o acordou na segunda de manhã, mandando-o tomar banho e se pentear, tarefas quase impossíveis naquela temperatura: ―E fique longe dessa janela! Quer se gripar? ― gritava para o menino. No fundo, sabia que soava mais como sua própria mãe do que como seu ideal de realização masculina, que era morrer bêbado numa queda de avião aos sessenta. Mas, para que diabos servia esse ideal quando tinha que cuidar de uma criança? Entregou uma toalha seca para Ludwig, espiando o companheiro por cima do ombro.

Otto lia despreocupadamente o jornal à mesa. Foi até ele: ― Quando era mesmo aquela reunião?

― Daqui a pouco.

―Hum, tá. ― disse, servindo-se de uma xícara de café.

―Também quero, por favor.

―Aqui. ― Empurrou o bule na direção dele, soprando sua própria xícara. Seu sobrinho puxou a cadeira entre eles.

Otto insistia, estendo a xícara, sem tirar os olhos do jornal: ―Coloque pra mim, sim?

―Pare você de ler. ― respondeu, mastigando uma torrada. Com o canto do olho, observava Ludwig se esticar para alcançar a leiteira. Pegou para ele, servindo-o.

O companheiro, resmungou: ―E o meu café, Alois? Você não está fazendo nada...

Nada?! Quer dizer que cuidar de uma casa inteira e de uma criança ainda por cima, era nada demais? Não senhor, nem pensar que ele aturaria uma humilhação dessas:

―RAIO QUE TE PARTA QUE EU NÃO ESTOU FAZENDO NADA! ― gritou, se levantando da mesa.

Diferente do companheiro acostumado com suas explosões, Ludwig se assustou, derrubando leite sobre o uniforme novo. Foi a deixa para Otto se levantar também, falando: ―Olhe aí o que você fez! Precisava gritar perto dele?

Limpou a roupa do menino: ―Se você não me tirasse do sério, não aconteceria!

Otto lamentou baixo, finalmente levando o bule até sua própria xícara. Assim que terminaram, saiu para levar Ludwig a pé até a escola. O companheiro se ofereceu para levá-los de carro, mas seria um risco muito grande.

Parou com o menino em frente ao portão. Já havia comunicado a direção sobre a morte de Klara, mas não estava certo do que deveria fazer: ―Quer que eu entre com você?

Ele fez que não e ergueu a mochila nos ombros, em silêncio. —Me desculpe por ter te assustado. Otto me tira do sério. —Deu um abraço nele e Irmã Maria conduziu o garoto para junto das outras crianças. Inspirou fundo, caminhando de volta.

Achou um bilhete na cozinha:

" Os últimos dias não tem sido fáceis para você, Alois, eu sei: você perdeu uma irmã e ficou com uma criança para cuidar, sem saber como. Admiro a sua coragem, mas precisa concordar que demonstrações de raiva não são o que Ludwig precisa neste momento. Se quiser sentar e conversar, tudo bem, mas por favor, poupe os objetos da casa; não sei se poderei comprar novos depois que voltar."

Por que é que ele escrevia num tom sardônico daqueles? E o que diabos ele queria dizer com aquilo? Será que ele acreditava que poderia...

No jornal da mesa, a manchete anunciava "o crescimento surpreendente da economia alemã" com uma foto do Führer, saudado pelo povo.

―Nazistas estúpidos. ― xingou baixinho. Conhecia gente que daria um braço para morar na Alemanha e até seus fregueses mais imprestáveis acreditavam que teriam vida melhor lá. Não podia culpá-los: apesar da pobreza em que se encontravam no fim da guerra, os alemães agora estavam bem de vida, ao contrário deles. Mesmo assim, jamais trocaria sua nacionalidade, não depois de quase ter morrido pelo país. Seria o mesmo que ser obrigado a entregar suas medalhas de novo.

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