Era agosto, e o sol brilhava forte. Ludwig pulou da cama. Passara as férias treinando a tabuada e nada o deteria. Já ia trocar o pijama direto pelo uniforme, quando o tio gritou do lado de fora:
—Não ouço o barulho do chuveiro! —Detestava se banhar tão cedo, mas detestaria ainda mais se ele o forçasse a se lavar, pensou.
O aroma de café e pão quente o atraiu à mesa, onde o tio praguejava contra o gato e Otto lia o jornal comentando a exposição da era paleolítica no museu de ciências naturais, fosse lá o que paleolítica significasse. Se juntou a eles, servindo-se de uma fatia de pão com manteiga enquanto seu tio enchia sua xícara com leite. O mundo parecia um lugar seguro de novo.
Acenou da porta para Otto e acompanhou o tio até a praça. —Pode deixar, eu sei o caminho.
Ele lhe fez um cafuné: —Até mais tarde!
Juntou-se ao bando de crianças, as pastas penduradas dos lados. "A turma está maior", pensou, vendo alguns rostos desconhecidos, como a garota de cabelo marrom e crespo, cujo rosto era quase da mesma cor, acobreado e reluzente. Seus olhos eram verdes, numa combinação que ele nunca tinha visto e sequer imaginava ser possível. Ela ficou registrada em sua mente quando Irmã Celeste a escoltou até a sala de aula.
A professora segurava os ombros da garota com tanta força que parecia querer cravar as unhas nela: —Crianças, essa é Gretel Stein —disse, numa pausa ansiosa: —Ela será a nova colega de vocês.
Começaram a rir e Ludwig olhou para os lados, tentando entender o motivo. A menina se deslocou em silêncio por entre eles, sentando-se logo atrás dele.
A encarava, preocupado, até a garota perguntar: —Tá olhando o que, ô bobão? — Se voltou para frente, acompanhando a aula.
Outros também a olhavam, passando bilhetinhos entre si. A professora ora ignorava, ora pedia silêncio. Enquanto isso, Marcel Hendrik, o filho do prefeito, sussurrava coisas para ela. Ludwig observava, com pena, até a menina nova se levantar e socar Marcel bem na boca, para deleite dele e de todos. Ou quase todos. Aos gritos, Irmã Celeste apartou os dois, mas Marcel continuou na sala; Gretel não.
No intervalo, a avistou no corredor, virada para a parede. A menina se mantinha quieta, mas Ludwig viu que ela o espiava com o canto do olho. Tomou coragem e disse: —Oi.
Gretel desviou o olhar depressa e eles imergiram no silêncio novamente.
—Meu nome é Ludwig. —Ela continuou calada. Insistiu: —Não liga pra aquele idiota, ele é um nojento mesmo. Chamamos ele de Dedos de Meleca, ele tem que fazer jus ao nome. — Um pequeno sorriso surgiu no rosto dela.
Acrescentou: — Logo vão começar a te tratar bem.
Ela se virou, as sobrancelhas franzidas: —Você é burro, é?
Piscou, surpreso.
Gretel tornou a encarar a parede: —Vai embora.
Ia obedecer, mas algo o impedia. Alguns colegas passaram, rindo e apontando para eles.
Ela não chorou, ao contrário do que se esperaria. Talvez conhecesse a filosofia de seu tio, pensou. Mesmo assim, seu rosto não deixava de expressar tristeza e vê-la assim o enchia de pena. "Será que ninguém ali via que ela era inocente?" Imaginava se ela se perguntava isso também.
Tentou animá-la: —Ei, eu sei uma piada: sabe por que os anjos são porcos? — Ela o olhou com a expressão confusa.
— Porque só tomam banho no Natal. — Esperava pelo menos um sorrisinho, mas ela o encarou, perplexa.
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Dois Pais
Historical FictionÉ 1938 e a Áustria está prestes a se unir à Alemanha nazista em sua cruzada odiosa. Em meio a isso, Alois Kaufman, um barman veterano de guerra, guarda de todos um enorme segredo: seu relacionamento de dez anos com outro homem, Otto Vandenburg, um s...