Capítulo 7

181 23 70
                                    


Era agosto, e o sol brilhava forte. Ludwig pulou da cama. Passara as férias treinando a tabuada e nada o deteria. Já ia trocar o pijama direto pelo uniforme, quando o tio gritou do lado de fora:

—Não ouço o barulho do chuveiro! —Detestava se banhar tão cedo, mas detestaria ainda mais se ele o forçasse a se lavar, pensou.

O aroma de café e pão quente o atraiu à mesa, onde o tio praguejava contra o gato e Otto lia o jornal comentando a exposição da era paleolítica no museu de ciências naturais, fosse lá o que paleolítica significasse. Se juntou a eles, servindo-se de uma fatia de pão com manteiga enquanto seu tio enchia sua xícara com leite. O mundo parecia um lugar seguro de novo.

Acenou da porta para Otto e acompanhou o tio até a praça. —Pode deixar, eu sei o caminho.

Ele lhe fez um cafuné: —Até mais tarde!

Juntou-se ao bando de crianças, as pastas penduradas dos lados. "A turma está maior", pensou, vendo alguns rostos desconhecidos, como a garota de cabelo marrom e crespo, cujo rosto era quase da mesma cor, acobreado e reluzente. Seus olhos eram verdes, numa combinação que ele nunca tinha visto e sequer imaginava ser possível. Ela ficou registrada em sua mente quando Irmã Celeste a escoltou até a sala de aula.

A professora segurava os ombros da garota com tanta força que parecia querer cravar as unhas nela: —Crianças, essa é Gretel Stein —disse, numa pausa ansiosa: —Ela será a nova colega de vocês.

Começaram a rir e Ludwig olhou para os lados, tentando entender o motivo. A menina se deslocou em silêncio por entre eles, sentando-se logo atrás dele.

A encarava, preocupado, até a garota perguntar: —Tá olhando o que, ô bobão? — Se voltou para frente, acompanhando a aula.

Outros também a olhavam, passando bilhetinhos entre si. A professora ora ignorava, ora pedia silêncio. Enquanto isso, Marcel Hendrik, o filho do prefeito, sussurrava coisas para ela. Ludwig observava, com pena, até a menina nova se levantar e socar Marcel bem na boca, para deleite dele e de todos. Ou quase todos. Aos gritos, Irmã Celeste apartou os dois, mas Marcel continuou na sala; Gretel não.

No intervalo, a avistou no corredor, virada para a parede. A menina se mantinha quieta, mas Ludwig viu que ela o espiava com o canto do olho. Tomou coragem e disse: —Oi.

Gretel desviou o olhar depressa e eles imergiram no silêncio novamente.

—Meu nome é Ludwig. —Ela continuou calada. Insistiu: —Não liga pra aquele idiota, ele é um nojento mesmo. Chamamos ele de Dedos de Meleca, ele tem que fazer jus ao nome. — Um pequeno sorriso surgiu no rosto dela.

Acrescentou: — Logo vão começar a te tratar bem.

Ela se virou, as sobrancelhas franzidas: —Você é burro, é?

Piscou, surpreso.

Gretel tornou a encarar a parede: —Vai embora.

Ia obedecer, mas algo o impedia. Alguns colegas passaram, rindo e apontando para eles.

Ela não chorou, ao contrário do que se esperaria. Talvez conhecesse a filosofia de seu tio, pensou. Mesmo assim, seu rosto não deixava de expressar tristeza e vê-la assim o enchia de pena. "Será que ninguém ali via que ela era inocente?" Imaginava se ela se perguntava isso também.

Tentou animá-la: —Ei, eu sei uma piada: sabe por que os anjos são porcos? — Ela o olhou com a expressão confusa.

— Porque só tomam banho no Natal. — Esperava pelo menos um sorrisinho, mas ela o encarou, perplexa.

Dois PaisOnde histórias criam vida. Descubra agora