Capítulo 33

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Para Otto, era uma sensação diferente voltar à Graz: passara a odiar a cidade ao pensar que Alois estava morto. Não só sua visão dela mudara: enquanto sinagogas, propriedades de judeus e pontos de encontro entre homossexuais haviam sido fechados, prosperavam casas noturnas e bordéis de onde soldados da SS iam e vinham ao lado de prostitutas. Seus tornozelos formigaram, num lembrete macabro.

Segurou mais forte no companheiro sobre a motocicleta, passando por ruas menos movimentadas. Queria dizer-lhe para irem embora, mas o rostinho assustado de Ludwig lhe vinha à mente. —Se ela passou uma vez pelo bar, não deve morar longe.

—Eu sei o endereço, só preciso me localizar. Essas porcarias de bandeiras atrapalhando...—ele falava das inúmeras faixas com suásticas poluindo o visual outrora tão clássico da cidade e garantindo uma atmosfera sufocante. Para qualquer lugar que virassem, lá estavam.

Ao chegarem à Lendplatz, estacionaram a motocicleta atrás de uma árvore e vagaram a pé, aproveitando as sombras e muros próximos. Andaram até uma série de casinhas escondidas numa viela. Eram simples, como a de Gerhard, com a diferença de que aquelas eram ainda mais afastadas de qualquer progresso.

Fitava a pouca luminosidade das janelas, quando Alois estendeu o braço, parando-o. Se encolheu junto ao muro, o coração à mil.

—Escutou isso?

Apurou os ouvidos: era uma voz cantando. E bonita, por sinal.

O companheiro disparou em sua frente correndo. Viu com ansiedade ele pular uma mureta: —Aonde vai?!

—É ela! —ele exclamou. Pedia que ele tivesse mais cautela antes de saltar para aquela conclusão, mas Alois já batia à porta.

A voz silenciou na mesma hora. Pela janela, viam uma sombra se abaixar atrás das cortinas: passos apressados, alguma coisa caindo e quebrando, um cachorro latindo no vizinho... Olhou para a face lívida do companheiro.

A porta se abriu numa fresta.

Um menino apareceu, mastigando um pedaço de capim, a roupa tão ou mais remendada que as que Gerhard usava. Ele estufou o peito magricela, mas podiam que tinha tanto medo quanto eles: —O que que os senhores querem? Num tão vendo que é noite, não?

— A Yvette mora aqui?

—Num sei do meu irmão! Vai procurar noutro lugar!

Alois sorriu, segurando a maçaneta: —Ah, então você é mesmo irmão daquela desaforada?

O menino os encarava, pálido: —Não, senhor, volta outro dia! —Ele ia fechando a porta.

O companheiro a barrou com o pé: —Precisamos falar com ela!

Ele ainda lutava, quando luvas comidas por traças os puxaram para dentro e fecharam depressa a porta. À luz fraca da lamparina da sala, viam os olhos atentos de oito ou dez crianças. Otto recapitulou as histórias que Alois lhe contara, concluindo que eram todos irmãos e irmãs da travesti a frente deles. Ela se esforçava para não exclamar, tapando os lábios rubros: —Minha Nossa! Não acredito, é você mesmo?

—Nããão, é a Bette Davis... Claro que sou eu! — Alois a abraçou enquanto Otto assistia, abismado.

―Olha só! Nem precisou de bengala.

―Sai pra lá com essas coisas de velha! ―Yvette puxou a barra do vestido, a fim de mostrar as pernas numa meia-calça salpicada de buraquinhos: ―Tô inteira e pronta pra outra!

Otto observava em silêncio, quando ela arregalou os olhos pintados, encarando-o de cima a baixo: ―Ai-Meu-Deus, você é o cara dos boatos? Que partidão! ―Se pegou corando com o elogio.

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