Shivani acaba de perder o pai. Com a mãe em depressão, ela se vê obrigada a assumir o controle da casa com o irmão mais novo. Bailey teve o pai assassinado há alguns anos e agora viu quatro pessoas de sua família, incluindo a única irmã, morrerem em...
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Someday I’ll wish upon a star Andwakeupwhere the clouds are far behind me Wheretroublesmelt like lemondropsAwayabove the chimney tops That’ s where you’ll find me. — Eva Cassidy, “Over the Rainbow”
Uma garoa cobre todo o cemitério e me pego pensando se chover em enterros é um denominador comum. É como se tudo precisasse estar cinza como os sentimentos. Quase parte do pacote. Meu pai adorava esse tempo, o que é irônico. Ou não — talvez seja o modo que a morte tem de lhe fazer uma homenagem.
Minha mãe está acordada, mas continua dopada. Seguro sua mão enquanto caminhamos e observo Lamar carregar o caixão de meu pai ao lado de meu avô, que brigou com todos que quiseram impedi-lo de carregar seu menino pela última vez. Tio Túlio segura a alça logo atrás dele.
Túlio era o melhor amigo do meu pai, assim como Noah, seu filho, é o melhor amigo de Lamar. Além disso, ele é meu padrinho e advogado da nossa família. Ele cuidou de tudo hoje e provavelmente será assim por muito tempo, porque tio Túlio não consegue deixar de cuidar de quem ama.
Eu tentei resolver, juro que tentei, mas as pessoas tratam velórios e enterros como negócio. Sei que é o negócio delas, mas ainda assim é frio demais, e tive uma crise de choro enquanto discutia como tudo seria, então meu tio assumiu. Não sem antes, é claro, Sabina pegar o telefone da minha mão e ofender o moço da funerária.
Sabina é a filha mais velha de tio Túlio. Há pessoas de pavio curto e há a Sabina, que não tem pavio nenhum, principalmente se achar que alguém que ela ama está sendo magoado. Somos amigas também, mas não como Noah e Lamar, que são praticamente Ken e Ryu, dois personagens de videogame que vivem juntos. Eles costumavam dizer que eram como Mario e Luigi, mas aí entraram na fase da academia e se tornaram os outros dois.
Lamar ficou horas conversando ao telefone com Noah na noite passada, depois jogando no computador. Como Noah mora em Londres com o tio há dois anos, computador e telefone são o que eles mais usam para se comunicar. Lamar deveria ter ido assim que completou dezoito anos, mas a doença do nosso pai veio e tudo mudou. Tudo saiu do eixo.
Também sinto falta do Noah. É o tipo de pessoa que você quer ter por perto. Ele saberia exatamente o que dizer ou apenas me abraçaria em silêncio. Nós nos beijamos uma vez, pouco antes de eu começar a namorar o César, há três anos. Foi melhor não ter se tornado algo sério. Ele tem uma história mal resolvida, e pessoas com tanta bagagem geralmente machucam ou acabam machucadas.
Aliás, César não pôde vir ao enterro e ainda estou zangada, mesmo sabendo que nem todos conseguem ser liberados do trabalho. Sabina disse que Noah queria vir, mas não conseguiu ser dispensado das aulas na universidade, e seu pai achou melhor que ele esperasse o próximo feriado.
— Ainda acho que vocês deviam aceitar o convite do meu filho e passar um tempo fora. O Noah ia adorar a companhia de vocês — tio Túlio insiste, mais tarde, enquanto esperamos o motorista que vem nos buscar.
— Você quer ir? — pergunto, apesar de eu não querer.
— Não, tio — Lamar responde diretamente a ele. — Conversamos com a minha mãe e ela não quer sair de casa agora. Não vai rolar.
— Posso conversar com ela e...
— Não força, pai. — Sabina coloca a mão nas costas do pai, tentando interromper o que ela sabe que não vai mudar. — Dê um tempo pra eles.
Apesar da postura decidida, ela fala com tranquilidade. Depois lhe dá um beijo no rosto e diz:
— Vou dormir na Sina hoje, tá? Aproveitar que o imbecil do marido dela está viajando e ficar com os meus afilhados.
Sina é a melhor amiga de Sabina, mas seria mais bem definida como a “bagagem” do Noah. Todo mundo sabe e todo mundo faz que não sabe, desde que ele saiu do país pouco tempo após o casamento da Sina, há dois anos. Ela se casou aos dezenove, porque estava grávida.
Sei que nenhuma mulher mais se casa por esse motivo, mas você entenderia, se a conhecesse.
Eu a vi mais cedo, no velório. Sina é tão doce quanto o sorriso de uma criança ao ganhar um sorvete. É provavelmente a pessoa mais amável que qualquer um de nós conhece e, ironicamente, a mais triste, embora finja bem. No meio da ebulição de amor que ela é, há uma tristeza que ninguém consegue apagar e que eu não entendia muito bem até agora.
Sina perdeu a mãe quando tinha seis anos e todos dizem que ela mudou desde então. Eu não me lembro direito porque sou dois anos mais nova, mas saber disso me dá medo. Eu me pego pensando se a partir de agora vou carregar a tristeza para sempre comigo, como aconteceu com ela. Meu pai e eu conversamos muito ao longo desses dez meses, e Sina era um assunto recorrente. “Não permita que a morte seja maior que a vida”, era o que ele repetia toda vez.
Pelo menos neste momento, acho que, sim, a morte é maior que a vida.
Parece que o que partiu Sina quando sua mãe se foi está me partindo agora. Triste, não é? Encontrar uma conexão dessas...
Assim que minha mãe entra no carro, eu me despeço das pessoas e a sigo. Lamar faz o mesmo. Ele se senta ao meu lado e coloca o braço em meu ombro, me puxando para mais perto. Encosto a cabeça em seu peito e entrelaço meus dedos aos dele.
Estendo a mão livre para minha mãe e sinto sua pele fria. Ela não sorri há meses. Desde que meu pai adoeceu. Mesmo quando ele parecia melhorar, ela se mantinha distante, protegida do que o destino lhe reservava.
Talvez não tão protegida quanto pensava. Ela funga e seca uma lágrima que rola pelo rosto, que contrasta com os cabelos castanhos, presos em um coque baixo. Eu lhe lanço outro olhar. Ela não retribui — está olhando para a chuva que se intensifica lá fora e pensando nele, no homem que mais amou e que não está mais entre nós, e eu não sei o que dizer, não sei como a consolar. Por mais que eu tente, como posso dizer palavras que não conheço?
E, quando quero me deixar afundar, fechar os olhos e nunca mais abrir, escuto dentro de mim: “Você me fez uma promessa. Quero que viva por mim”.
Suspiro enquanto sinto os dedos de meu irmão deslizando pelos meus cabelos. Preciso de um tempo, pai. Apenas um tempo...
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“Um dia vou fazer um desejo para uma estrela/ E acordar onde as nuvens estão bem atrás de mim/ Onde os problemas se derretem como gotas de limão/ Acima do topo das chaminés/ É lá que você vai me encontrar.”