Light up, light up As if you have a choice Even if you cannot hear my voice I’ll be right beside you, dear.
— Snow Patrol, “Run”Ouço ruídos que parecem tão distantes, como uma mão querendo me agarrar dentro de um pesadelo que me sufoca. Em um impulso, eu me sento na cama, sem ar. Um calafrio me chacoalha. Estou sozinha, o colchão está gelado. Onde está Bailey?
Dou um pulo e saio da cama ao ouvir um acesso de tosse. Da porta do quarto, vejo Bailey caído à meia-luz, iluminado pelo fraco brilho do corredor. Acendo a lâmpada da sala. Meu coração para e acelera de uma vez, me dando a sensação de que pode sair pela boca a qualquer momento.
Corro para Bailey e me ajoelho a seu lado.
— Sai... — sua voz escapa por um fio enquanto uma das mãos tenta me afastar sem coordenação nenhuma.
— Meu Deus... — murmuro quando vejo sangue na mão estendida. — O que aconteceu? — pergunto, sentindo o cheiro do que ele quer esconder.
— Por favor, só sai daqui — ele implora, sem esconder as lágrimas.
Um espasmo de dor o faz tremer e passo a mão em seus cabelos. Minhas reações estão lentas. Tento me lembrar do que li e como devo agir, mas tudo o que faço é sentir que estou me afogando.
— Não vou sair. — Corro para o banheiro e volto com uma toalha umedecida. Então eu o limpo, tentando fazer com que ele se sinta melhor.
Seu corpo desaba de vez no chão e Bailey se contrai, sem conseguir reprimir outra onda de vômito.
— Me deixa sozinho, Shiv. Tô te implorando. — Ele não tem forças nem para falar alto.
— Não vou sair.
— Tira a chave da porta, se tranca no quarto, liga pro Pepe e não sai até ele chegar. Não tô conseguindo me segurar mais. Vai ser horrível, Shiv. Preciso da droga.
— Não, não precisa. Para — peço, como uma criança assustada, ao mesmo tempo em que tento confortá-lo.
A fragilidade de Bailey é absurda, como se não restasse muito mais do homem que conheci e que luta pela vida, como se ele estivesse refém do desejo absurdo pela droga.
Eu me levanto rápido e escondo as chaves. Pego o telefone, e depois de duas chamadas Pepe atende com a voz sonolenta.
— É a Shiv.
Silêncio. Uma respiração profunda e a resposta:
— Chego aí em quinze minutos. — É só o que diz. Ele sabe.
Deixo o telefone na mesinha e me ajoelho ao lado de Bailey outra vez.
— Você não vai me deixar, né? — ele choraminga, envergonhado, enquanto procura minha mão e a aperta forte para passar pelo próximo espasmo de dor.
— Nunca. Aguenta firme, amor. — Acaricio suas costas e ele se move devagar, apoiando a cabeça em meu colo e envolvendo minha cintura com a mão livre.
— Preciso da droga, Shiv. Por favor, me deixa usar, por favor, por favor. Faço o que você quiser, mas me dá só um pouquinho — ele implora como uma criança, e seu sofrimento é tão doloroso em mim que não sei o que vou fazer se o vir assim por mais tempo.
Não consigo segurar as lágrimas, que escorrem por meu rosto e caem sobre os cabelos dele, já empapados de suor. Um nó se forma em minha garganta. Só consigo pensar em meu pai e nas primeiras crises de náusea após a quimioterapia.
Imagens se sobrepõem em meus pensamentos. Mais uma vez, vejo um homem que amo se reduzir a pó, e não há nada que eu possa fazer para diminuir a dor.
Quinze minutos que se parecem horas se passam e Bailey continua gemendo baixinho, quando Pepe abre a porta com sua chave. Acho que eles estavam preparados para isso. Sabina está com ele, e não preciso de muito tempo para perceber que dormiram juntos outra vez.
Agradeço a Deus por Krystian e Lamar terem saído com Noah após o bar fechar e não presenciarem o que vamos ter de enfrentar.
Pepe caminha até mim, toca meu rosto e balança a cabeça. Seu olhar é calmo e experiente. Ele quer me tranquilizar. Depois tira a jaqueta e esfrega a mão nas costas de Bailey. Ele se curva, coloca Bailey sobre o ombro e faz força para tirá-lo do chão.
— Liga o chuveiro, Sabina. Apoia o corpo dele na frente, Shiv.
Com prática, Pepe nos dita ordens. Ver que ele sabe como agir me alivia momentaneamente, até que sinto Bailey se agitar em nossos braços.
— Me dá, Pepe! Me dá essa porra!
— Não tem porra nenhuma aqui, cara. Desculpa.
Colocamos Bailey sobre o assento do vaso e Pepe puxa o moletom dele por cima da cabeça, assim como a camiseta, enquanto tento tirar sua calça.
Após ligar o chuveiro, Sabina nos ajuda e colocamos Bailey apenas de cueca sob a água morna. Ele se debate quando se sente molhado e, em um impulso, dá um murro para o lado, acertando a porta do boxe, que se solta e só não se espatifa no chão porque eu a seguro rápido. Por pouco ele não acerta Pepe, que enxaguava seus cabelos. Bailey desaba no chão frio e seu amigo se abaixa, ainda cuidando dele, sem se importar com a água que molha todos nós.
— Vocês duas saiam daqui. Vão separar uma roupa pra ele. Uma cueca limpa e uma regata, Shiv. Nada muito pesado. — Nós saímos e ouvimos a voz dele de longe: — Se me bater, vou te acertar também, cara. Juro. Tô avisando.
Quando volto para o banheiro, Bailey está vomitando outra vez e Pepe pega o chuveirinho para lavá-lo melhor.
— Coloca tudo pra fora. Vai, tudo.
Bailey balança a cabeça, tentando afastar o jato de água que acerta seu rosto por vários minutos, enquanto ele fica limpo de toda a sujeira.
— Foi tudo... — diz, tossindo.
Pepe espera alguns minutos e depois desliga o chuveiro.
— Vou levantar ele e você o cobre com a toalha.
Aperto a toalha limpa nos braços e cubro Bailey assim que Pepe consegue colocá-lo sobre os ombros outra vez.
Chegamos ao quarto e Bailey cai na cama, ainda molhado. Eu o seco com cuidado, enquanto Pepe tira a guitarra da parede e entrega a Sabina.
— Coloca na cozinha, em cima do armário. Depois tranca a porta e me dá a chave. Da última vez, ele tentou quebrar.
Visto Bailey, que está mole, mas consegue ter um pouco de controle sobre o corpo. Pepe dá uma geral no quarto. Abre todas as gavetas, olha dentro do guarda-roupa, no meio dos livros. É minucioso e não encontra nada.
— Não tenho mais pó em casa, cara. Fui um idiota e joguei tudo fora — Bailey se lastima, ao mesmo tempo em que termina de vestir a camiseta. Está fraco, mas essa situação não vai durar muito.
Quando termino de secar seus cabelos, eu me sento ao lado dele e Pepe se apoia na escrivaninha, de braços cruzados. Trocamos um olhar e ele aperta os lábios, balançando a perna, tenso.
Cubro Bailey e espero. Se tudo o que aprendi nesses dias for verdade, a noite está só começando.
⏭ ▶ ⏮
“Anime-se, anime-se/ Como se você tivesse escolha/ Mesmo que você não possa ouvir minha voz/ Eu vou estar bem ao seu lado, querido.”
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As Batidas Perdidas do Coração
Hayran KurguShivani acaba de perder o pai. Com a mãe em depressão, ela se vê obrigada a assumir o controle da casa com o irmão mais novo. Bailey teve o pai assassinado há alguns anos e agora viu quatro pessoas de sua família, incluindo a única irmã, morrerem em...