All my life I've been searching for something Something never comes, never leads to nothing Nothing satisfies, but I'm getting close.
- Foo Fighters, "All My Life"Faz um mês e uma semana que saio de casa e volto para encontrar Krystian sentado no sofá, assistindo a qualquer programa de televisão. Como em uma porra de um looping eterno de autopiedade.
Não sei o que dizer a ele, porque odiava qualquer frase bonitinha sobre a morte quando meu pai morreu e sigo odiando. Não tem o que dizer. As pessoas se iludem pensando que, se disserem algo certo, vão proporcionar algum conforto.
Eis uma verdade sobre o luto: não existe conforto.
Por não saber o que dizer, cedi quando minha mãe pediu que o convencesse a fazer terapia, porém sem esperar resultados.
É por isso que, ao abrir a porta de casa, às quatro da manhã, e tentar colocar o capacete sobre a mesinha estrategicamente posicionada ao lado da porta para esse fim, me surpreendo com o lugar já ocupado. Tem um capacete ali, que vale mais do que algumas motos de amigos meus, mas não tenho tempo de pensar nisso, porque ouço a gargalhada de Krystian
— Perdeu, playboy — ele diz, em meio a acessos de riso.
Alguém ri com ele. Não reconheço a voz. Movo um pouco o corpo e avisto pés sobre a mesinha de centro, cervejas abertas e fios. De onde saíram aqueles fios?
— O que está acontecendo? — pergunto, me aproximando dos dois.
— Oi, primo. Lembra do Lamar?
Eu lembro. É o garoto que perdeu o pai. Não tem como não perder um pouco da antipatia imediata que sinto quando acrescento isso à frase. Deve ter uma convenção em algum lugar que faz com que nós, os órfãos, nos identifiquemos rapidamente.
Apesar disso, não gosto da zona de guerra que se tornou minha sala.
E empurro os pés dele para o chão.
Desde que me mudei para cá, quando tudo aconteceu, adquiri o costume de querer tudo na mais perfeita ordem. Não, não é TOC, é costume. Quero manter em ordem aquilo que posso controlar.— E aí, cara? — o garoto estende a mão com um sorriso acolhedor. O tipo de pessoa que quebra qualquer muro de resistência, mas não hoje.
— E aí? - devolvo, lançando um olhar inquiridor a Krystian, que vira o controle do videogame. Desde quando temos um XBox? — De quem é isso?
— É meu. — Krystian sorri de orelha a orelha.
Por quanto tempo fiquei fora?
— Como assim, seu?
A família de Lucas vivia numa situação financeira bastante difícil. A casa era alugada, e o carro deu perda total no acidente.
— O Lamar me levou pra comprar. Assim a gente pode jogar, em vez de só falar de jogos. Depois que eu comprar minha própria moto, vou poder ir até a casa dele. É meio longe daqui para ir de ônibus.
E é mesmo. Pelo que Krystian me disse, seu novo amigo mora nos Jardins, simplesmente um dos bairros mais caros da cidade de São Paulo, no ponto mais nobre possível.
— Já recebeu o dinheiro do seguro?
Estou preparado para matar meu primo se ele gastou o pouco dinheiro que tinha com algo tão estúpido.
— Foi um presente.— Lamar se levanta e olha diretamente para mim.
Provavelmente ele tem a mesma idade do Krystian, uns dezoito, mas é mais alto, da minha altura.
— Você deu um videogame novo pra um cara que mal conhece?
— É.— Ele me surpreende cruzando os braços e me encarando.
É impressão minha ou esse moleque está me enfrentando?
— Então pegue seu presente e vá pra casa. São quatro da manhã e quero dormir. Sua mãe deve estar preocupada.
Faço uma prece em pensamento para ele ter uma mãe em casa, ou vou ter batido o recorde de falar merda para essa família.
— Caramba! São quatro horas? - Ele confere o relógio. — Preciso ir mesmo, Krystian. — E se vira para o meu primo, me ignorando. Não posso dizer que ele não seja destemido. — Amanhã a gente se fala. Boa noite aí, cara — diz para mim e caminha até a porta.
— O videogame — digo, enquanto Krystian olha de um para o outro sem se meter. Prudente, pelo menos.
— É presente. Já disse. Fica aí.— Ele pega o capacete.
— E você lá tem dinheiro para ficar comprando presentes assim para pessoas que mal conhece? — Nem sei por que pergunto.
— Na verdade, tenho sim — ele diz com tranquilidade, me desafiando a falar algo.
— Típico.
- Cara, para com isso — Krystian intercede.— É só um videogame e posso pagar depois.
— Não vai pagar nada — o garoto e eu falamos ao mesmo tempo.
Nós nos encaramos mais uma vez. Percebo o mesmo ar autoritário que existe na irmã dele; deve ser algo de criação. Ao mesmo tempo, tem algo nele que faz com que eu queira automaticamente ceder. Talvez por não ouvir Krystian gargalhar daquele jeito há muito tempo.
— Amanhã eu volto, Krystian. Você não vai jogar o videogame pela janela ou algo assim, né? — Lamar pergunta para mim, já com a mão na porta.
— Pareço irracional?
Ele dá de ombros. Ri e passo a mão pelos cabelos, enquanto ele me lança um sorrisinho besta. Um acordo silencioso. De alguma forma que não compreendo, ele sabe que vou deixá-lo ficar, assim como o videogame. É isso, ou ele sabe que voltaria mesmo que eu não deixasse.
━━━━━ •♬• ━━━━━
"Durante toda a minha vida procurei algo/ Algo nunca chega, nunca leva a nada/ Nada me satisfaz, mas estou chegando perto."
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Batidas Perdidas do Coração
FanficShivani acaba de perder o pai. Com a mãe em depressão, ela se vê obrigada a assumir o controle da casa com o irmão mais novo. Bailey teve o pai assassinado há alguns anos e agora viu quatro pessoas de sua família, incluindo a única irmã, morrerem em...