Capítulo 8

525 78 5
                                    

All my life I've been searching for something Something never comes, never leads to nothing Nothing satisfies, but I'm getting close

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

All my life I've been searching for something Something never comes, never leads to nothing Nothing satisfies, but I'm getting close.
- Foo Fighters, "All My Life"

Faz um mês e uma semana que saio de casa e volto para encontrar Krystian sentado no sofá, assistindo a qualquer programa de televisão. Como em uma porra de um looping eterno de autopiedade.

Não sei o que dizer a ele, porque odiava qualquer frase bonitinha sobre a morte quando meu pai morreu e sigo odiando. Não tem o que dizer. As pessoas se iludem pensando que, se disserem algo certo, vão proporcionar algum conforto.

Eis uma verdade sobre o luto: não existe conforto.

Por não saber o que dizer, cedi quando minha mãe pediu que o convencesse a fazer terapia, porém sem esperar resultados.

É por isso que, ao abrir a porta de casa, às quatro da manhã, e tentar colocar o capacete sobre a mesinha estrategicamente posicionada ao lado da porta para esse fim, me surpreendo com o lugar já ocupado. Tem um capacete ali, que vale mais do que algumas motos de amigos meus, mas não tenho tempo de pensar nisso, porque ouço a gargalhada de Krystian

— Perdeu, playboy — ele diz, em meio a acessos de riso.

Alguém ri com ele. Não reconheço a voz. Movo um pouco o corpo e avisto pés sobre a mesinha de centro, cervejas abertas e fios. De onde saíram aqueles fios?

— O que está acontecendo? —  pergunto, me aproximando dos dois.

— Oi, primo. Lembra do Lamar?

Eu lembro. É o garoto que perdeu o pai. Não tem como não perder um pouco da antipatia imediata que sinto quando acrescento isso à frase. Deve ter uma convenção em algum lugar que faz com que nós, os órfãos, nos identifiquemos rapidamente.

Apesar disso, não gosto da zona de guerra que se tornou minha sala.
E empurro os pés dele para o chão.
Desde que me mudei para cá, quando tudo aconteceu, adquiri o costume de querer tudo na mais perfeita ordem. Não, não é TOC, é costume. Quero manter em ordem aquilo que posso controlar.

— E aí, cara? — o garoto estende a mão com um sorriso acolhedor. O tipo de pessoa que quebra qualquer muro de resistência, mas não hoje.

— E aí? - devolvo, lançando um olhar inquiridor a Krystian, que vira o controle do videogame. Desde quando temos um XBox? — De quem é isso?

— É meu. — Krystian sorri de orelha a orelha.

Por quanto tempo fiquei fora?

— Como assim, seu?

A família de Lucas vivia numa situação financeira bastante difícil. A casa era alugada, e o carro deu perda total no acidente.

— O Lamar me levou pra comprar. Assim a gente pode jogar, em vez de só falar de jogos. Depois que eu comprar minha própria moto, vou poder ir até a casa dele. É meio longe daqui para ir de ônibus.

E é mesmo. Pelo que Krystian me disse, seu novo amigo mora nos Jardins, simplesmente um dos bairros mais caros da cidade de São Paulo, no ponto mais nobre possível.

— Já recebeu o dinheiro do seguro?

Estou preparado para matar meu primo se ele gastou o pouco dinheiro que tinha com algo tão estúpido.

— Foi um presente.— Lamar se levanta e olha diretamente para mim.

Provavelmente ele tem a mesma idade do Krystian, uns dezoito, mas é mais alto, da minha altura.

— Você deu um videogame novo pra um cara que mal conhece?

— É.— Ele me surpreende cruzando os braços e me encarando.

É impressão minha ou esse moleque está me enfrentando?

— Então pegue seu presente e vá pra casa. São quatro da manhã e quero dormir. Sua mãe deve estar preocupada.

Faço uma prece em pensamento para ele ter uma mãe em casa, ou vou ter batido o recorde de falar merda para essa família.

— Caramba! São quatro horas? - Ele confere o relógio. — Preciso ir mesmo, Krystian. — E se vira para o meu primo, me ignorando. Não posso dizer que ele não seja destemido. — Amanhã a gente se fala. Boa noite aí, cara — diz para mim e caminha até a porta.

— O videogame — digo, enquanto Krystian olha de um para o outro sem se meter. Prudente, pelo menos.

— É presente. Já disse. Fica aí.— Ele pega o capacete.

— E você lá tem dinheiro para ficar comprando presentes assim para pessoas que mal conhece? — Nem sei por que pergunto.

— Na verdade, tenho sim — ele diz com tranquilidade, me desafiando a falar algo.

— Típico.

- Cara, para com isso — Krystian intercede.— É só um videogame e posso pagar depois.

— Não vai pagar nada — o garoto e eu falamos ao mesmo tempo.

Nós nos encaramos mais uma vez. Percebo o mesmo ar autoritário que existe na irmã dele; deve ser algo de criação. Ao mesmo tempo, tem algo nele que faz com que eu queira automaticamente ceder. Talvez por não ouvir Krystian gargalhar daquele jeito há muito tempo.

— Amanhã eu volto, Krystian. Você não vai jogar o videogame pela janela ou algo assim, né? — Lamar pergunta para mim, já com a mão na porta.

— Pareço irracional?

Ele dá de ombros. Ri e passo a mão pelos cabelos, enquanto ele me lança um sorrisinho besta. Um acordo silencioso. De alguma forma que não compreendo, ele sabe que vou deixá-lo ficar, assim como o videogame. É isso, ou ele sabe que voltaria mesmo que eu não deixasse.

━━━━━ •♬• ━━━━━

"Durante toda a minha vida procurei algo/ Algo nunca chega, nunca leva a nada/ Nada me satisfaz, mas estou chegando perto."

As Batidas Perdidas do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora