Dezesseis

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Daniel não tinha vergonha de admitir que fugira de Julie horas antes. Tinha medo sobre o rumo que a briga deles se encaminhava, preferindo ir embora do que escutar a palavra final da namorada.

Namorada? Ele ainda podia chamá-la por aquele pronome de tratamento?

Ele sabia que eventualmente discutiriam - já faziam isso quando amigos - mas nunca tinha imaginado que chegaria àquela proporção. Sabia que tinha errado muito feio com ela, mas ouvir que tinha perdido a sua confiança tinha sido demais - principalmente sendo seguido pela incerteza do término.

Ele estava sendo infantil, talvez mais do que enfiar a língua na garganta de Julie da frente de Nicolas, mas ele não tinha estrutura emocional para um término tão abrupto. Fugir tinha sido a opção ideal - apesar que aquilo não garantiria muitos pontos para ele. Julie devia estar tão irada!

Ele não tirava a razão dela. Tinha sido um cretino, estúpido, sem noção ao fazer o que fez, movido pelos ciúmes e vontade de ficar com a garota que gostava. Ao mesmo tempo que ele sabia que era a única maneira que um fantasma tinha de espantar pretendentes e se exibir para a viva que gostava, ele se odiava por ter abalado a sua reação com Julie.

Nicolas precisava abrir aquela boca?

Certo, ele confessava que ver a cara de espanto do garoto na loja de discos tinha sido um máximo, mas o rumo que as coisas tinham tomado....

Daniel voltou direto para a loja de discos após sair da casa de Julie, já que não era mais invisível e intangível para passear pelos seus lugares favoritos. Klaus viu o estado do garoto e se preocupou, eles só tinham ido ensaiar!

-Daniel, o que aconteceu? - Ele interceptou o garoto no meio do caminho.

-....- Daniel apenas negou com a cabeça, com os olhos cheios de lágrimas.

Ele conseguiu se desvencilhar do mais velho, chegando até o quarto compartilhado. Não era o ideal, mas era o único lugar que tinha no momento. Torcia muito para que seus amigos preferissem cuidar de Julie no momento, para que o deixassem em paz.

Ele só queria chorar!

Sequer ligou para as tarefas do curso naquele dia, apenas fechou muito bem as cortinas, a porta e se jogou no colchão, chorando todo o líquido de seu corpo. Klaus até tentou ajudar o garoto, querendo disfarçar os sons que viriam dos fundos, colocando uma musiquinha ambiente.

O que só piorou ainda mais a situação emocional do guitarrista.

Ele chorava por ser idiota, pela briga e pela música depressiva que tocava.

Eventualmente Daniel acabou caindo no sono, com a certeza sobre seu coração doer ainda mais do que quando estava morto - e que certamente ele voltaria a aparência fantasmagórica pela manhã, não por ter morrido, mas pelas olheiras horrorosas e péssima aparência.

***

Félix e Martin estavam atônitos.

O que raios tinha acontecido?

Eles sabiam que Daniel havia feito uma visitinha à Nicolas no dia em que Demétrius os tinha dado a oportunidade de voltar a vida, mas ele tinha afirmado que não tinha sido nada demais, apenas assombração residual para passar o tempo.

Mas Julie tinha dito o contrário. Eles não queriam ouvir, mas não era culpa deles se eles estavam tendo uma DR violenta na frente de um microfone! Quando Daniel passou feito uma bala por eles e bateu a porta da frente, eles não entenderam o desfecho da história. Mas quando Julie também passou por eles como uma bala soluçando, eles se preocuparam muito.

Julie também bateu a porta do seu quarto em um claro sinal que queria ficar sozinha, mas Pedrinho era novo e não entendia os sinais, subindo as escadas e se plantando do lado de fora do quarto, chamando pela irmã.

-VAI EMBORA, PEDRO! EU QUERO FICAR SOZINHA! - Ela gritou de volta, magoando o irmão mais novo.

-Pedrinho, é melhor deixar ela sozinha agora. - Martin tinha ido ao encontro do mais novo, o trazendo de volta para a sala.

-O que aconteceu com eles?

-É o que também queremos saber, mas vai demorar até algum deles falar.

-Conhecendo Daniel a uma hora dessas ele já desapareceu em algum lugar. - Félix opinou, tentando distrair Pedrinho do choro compulsivo que ultrapassava as barreiras de som do andar.

-Só se ele voltou a ser um fantasma quando saiu daqui. Ele não tem muito para onde fugir agora. A loja de instrumentos é o emprego dele, e ir se isolar na praça vai chamar atenção.

-Acho melhor darmos um tempo para ele então. Para ele e para Julie. Quer ir tomar um sorvete, Pedrinho? - Félix ofereceu.

-Vocês querem me tirar de casa, não é?

-Garoto esperto. - Martin elogiou com um sorriso no rosto. - Vou só fechar a edícula, eles devem ter esquecido no calor da emoção.

Marin guardou o baixo e a guitarra nos estojos, cobrindo a bateria com a capa e fechando a porta da edícula, encontrando com Félix e Pedrinho na porta da casa.

-Vamos apostar quem congela o cérebro mais rápido?!

***

Os dois tinham voltado para a loja de discos no início da noite, encontrando o amigo em sono profundo. Klaus havia perguntado o que tinha acontecido, com uma breve explicação sobre uma briga muito feia com Julie. Eles se deitaram logo que a loja foi fechada, não tendo muito o que fazer com aquele clima horroroso.

No dia seguinte tinha seguido a mesma coisa.

Quando acordaram para ir para as aulas Daniel já tinha acordado, estando calado o tempo inteiro. Não tinha dado um pio durante as aulas, sequer tocado em seu caderno. Sua existência estava focada em se esconder sobre aquele casaco, puxando as mangas até suas mãos, cobrindo a cabeça com o capuz.

Eles respeitaram o tempo e espaço de Daniel, dando um aperto em seu ombro quando se separaram na saída. Daniel iria para o trabalho dali e eles sinceramente esperavam que ele conseguisse melhorar ao menos um pouco.

O que desconfiavam que ele conseguiria, já que a loja de instrumentos era o lugar favorito de Daniel desde que tinham entrado no ensino médio 30 anos antes. Ele tinha levado Julie lá, mas ainda era um lugar especial para ele.

As horas passaram rápido. Félix se distraiu na loja, pensando se talvez tocar o disco de Demétrius fosse melhorar um pouco o humor de Daniel, enquanto Martin revisava os conceitos de biologia. Às quatro e meia, quando o movimento caía, Martin apareceu no salão, pedindo para Félix pesquisar o tal de colírios capricho e se surpreendendo com o quão boa sua fama estava, se distraindo com o amigo pelos minutos seguintes.

Apenas voltaram à realidade quando a porta abriu, trazendo consigo um Daniel calado. Sequer cumprimentou os amigos, apenas seguiu para o banheiro, em seguida para o quarto.

-Eu vou falar com ele. - Martin declarou, abandonando o baterista e indo procurar pelo loiro.

-Eu sei que você tá mal, mas precisa comer, Daniel.

-Tô sem fome. - Ele respondeu em um tom baixo.

-Vai ficar doente, é sério. Come só um pouquinho!

Daniel já nem achava importante responder, entrando mais uma vez em sua bolha. Infelizmente ele era obrigado a torná-la pública devido às condições de moradia, mas ele mal podia aguentar para alugarem um apartamento com um quarto para cada um.

Ele adorava e não se importava de estar na companhia dos seus melhores amigos, mas ele precisava conseguir voltar a se isolar.

Se não fosse da maneira fantasma, da maneira viva.

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