Cinquenta e sete

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Daquela vez não havia tido jeito. Uma coisa eram especulações sobre namorados e ficantes, mas a suposta ligação com drogas do baterista tinha abalado muito a imagem da banda, sendo necessário divulgar um laudo médico sobre a condição de Félix, para que enfim a mídia - e Sônia - se calasse sobre isso.

Mas apesar de tudo uma coisa boa tinha acontecido, já que para a elaboração do laudo Félix se colocou em tratamento, melhorando a cada que se passava. Quer dizer, aquilo não se dava exclusivamente à medicação, mas também à companhia e esforço dos seus amigos, e principalmente de Beatriz.

Desde o fatídico dia duas semanas antes, ela praticamente tinha se mudado para o apartamento dos rapazes, entrando e saindo de lá tantas vezes durante a semana que o porteiro sequer interfonou mais pedindo a liberação da sua entrada. Quase todos os dias ela chegava pela manhã e somente ia embora à noite, de maneira nenhuma dormindo lá. Eles não tinham um quarto de hóspedes, não era viável a festa do pijama todos os dias e principalmente: eles eram só amigos.

Uma coisa era dormir VEZ OU OUTRA na cama dele quando o apartamento estava cheio e era tarde demais para voltar para casa, mas todo dia? Impossível. Félix estava em um processo de recuperação pela briga com a namorada, dormir todos os dias com a garota no qual ele era fascinado não seria nada, nada legal.

Ao menos não tão cedo. E por mais que ele quisesse sua presença 24 horas por dia, ele compreendia a situação, permitindo-se vez ou outra sair em conjunto das garotas. Se Julie estivesse junto, não seria uma manchete - ao menos não aquele tipo de manchete.

A cada dia Félix conseguia sorrir um pouco mais, respirando melhor pela crise contida e Bia não poderia estar mais aliviada. Na verdade, ela ficaria ainda mais quando Manoela parasse de ligar para o telefone dele. Em todo aquele tempo ela já deveria ter desligado a ligação pelo menos umas trinta vezes, e apagado as notificações de mensagens para que ele não pudesse vê-las.

Ela deveria estar fazendo aquilo? Provavelmente não, já que eles precisavam conversar uma hora ou outra, mas Manu era quem tinha aumentado toda aquela confusão que poderia ter sido facilmente resolvida se ela o tivesse levado embora da rua. Ela merecia o voto de silêncio durante um tempo.

É, talvez ela estivesse gostando demais daquela tortura com a provável ex de Félix. Ele não tinha dito com palavras, mas ela o conhecia bem o suficiente para saber que ele faria a escolha certa quando se sentisse mais forte.

-O que você está fazendo? - Bia ouviu a voz dele por trás dela, próximo demais.

Ela tinha acabado de recusar mais uma ligação e ainda estava com seu celular em mãos quando ele voltou a tocar.

-Quer mesmo atender? - Bia perguntou em uma mistura de inocência com descrença.

Mas Félix apenas negou com a cabeça, abrindo um sorriso aliviado e agradecendo.

-Obrigado.

Félix sinceramente sentia as lembranças de 1979 voltarem com força a sua mente e visão, exatamente no momento em que tinha acabado de mudar de escola. Toda a atenção e cuidado de Bia atualmente era a mesma em que Daniel, Martin e Josias tiveram com ele quando descobriram os abusos, e por mais que ele fosse grato por tudo, o zelo de Beatriz era infinitamente mais agradável.

Ela não tinha ameaçado descer a porrada em ninguém até o presente momento. Não, ela apenas batia com força na massa de pão que os dois estavam fazendo juntos.

Era tarde de sábado e a ideia de sovar pão caseiro como forma de descontar todas as frustrações tinha surgido horas antes, com os dois se dirigindo até a cozinha do apartamento e começando a cozinhar.

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