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Aviso de conteúdo e alerta de gatilho: um pouco de violência gráfica e leve crise de ansiedade. Perdão por qualquer erro de digitação e boa leitura!

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Quando eu era criança, costumava fazer a lição de casa na mesinha de centro da sala, sentada no chão ao lado da poltrona de meu pai, com meu material escolar de segunda mão espremido entre garrafas de cerveja e maços de cigarro. Nós não conversávamos muito, o silêncio sempre o nosso melhor meio de comunicação. Ele me dava dinheiro para o lanche na escola e afagava meus cabelos quando eu ia bem nas provas. Eu fazia companhia para ele enquanto a mamãe e minha irmã faziam cobranças.

Uma noite, batidas fortes quase derrubaram nossa porta. Ele me puxou do chão, ignorando minhas perguntas, e me empurrou no quarto junto com mamãe e Enila. Pegou meu rosto entre as mãos, beijou minha testa com a barba arranhando minha pele e me disse para não chorar. Os vultos na fresta de luz sob a porta pareciam monstros cruéis rastejando pelo chão, mas não eram piores do que os sons. Meus ouvidos ardiam, meus olhos tão arregalados que pareciam prestes a saltar para fora.

Mas eu não chorei.

Não chorei quando saímos do quarto junto com o sol e eu fui a primeira a ver a forma roxa, vermelha, mordida e inchada que era o corpo de meu pai no chão, cérebro esmagado para fora da cabeça e sangue nos meus cadernos. Não chorei quando ele foi enterrado em um caixão fechado e minha mãe e irmã saíram antes mesmo que a cerimônia pudesse terminar. Não chorei quando me vi sozinha na sala com o passar dos anos, fazendo minha lição de casa ao lado de uma poltrona vazia.

Mas eu chorava toda noite ao acordar sozinha e trêmula de um pesadelo no apartamento com Victória, me afogando na escuridão do quarto que se mesclava com a escuridão do meu peito enquanto eu olhava para a fresta de luz vazando por debaixo da porta, ainda ouvindo aqueles sons, ainda vendo aquelas sombras serpenteando até a minha cama. Às vezes, levava apenas alguns minutos que pareciam horas para que eu parasse de tremer e fosse para a cozinha aos tropeços. Às vezes, eu ficava paralisada e só conseguia respirar de novo quando o sol nascia.

Dessa vez, Oscar subiu no meu colo, massageando meu peito com as patinhas e ronronando alto. Eu me segurei nele e me forcei a respirar. Respirar. Respirar. Mais devagar. De novo. E de novo. Foi apenas um pesadelo, pensei comigo mesma. Eu estava segura, longe daquela cidade, daquela casa, daquelas pessoas. Oscar continuou a me amassar com suas patas, me forçando a continuar respirando enquanto miava com expectativa entre os ronronos.

Quando a luz da manhã iluminou o quarto através da cortina translúcida que cobria a janela, eu rolei para o lado, fungando e me encolhendo no canto da parede, e voltei a dormir.

— Noite ruim?

Eva cantarolava enquanto escondia minhas olheiras com uma base extra de maquiagem no sábado à tarde. Eu estava enrolada em um roupão fofinho, de volta à pequena e desconfortável escadinha coberta pelo pano preto de antes.

— Sim — suspirei. — Coloquei gelo, mas parece que não ajudou muito.

— Vizinhança agitada?

— Acho que eu sou a vizinhança agitada. Culpa de Victória, é claro.

— É claro.

Eu não estava muito falante naquele dia. Não que eu fosse uma pessoa falante, mas eu mantinha conversas casuais com pessoas que importavam, obviamente. E Eva passou a importar ainda mais quando percebeu isso e respeitou, provavelmente aproveitando o silêncio para entrar no clima de pintura e essas coisas de artista. Eu quase tinha esvaziado um maço inteiro de cigarros depois de acordar, e estava certa que o faria antes de dormir.

VINGANÇAOnde histórias criam vida. Descubra agora